Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Descrição de chapéu União Europeia

Kingmakers: Brasil no espelho de Portugal

A omissão e vulnerabilidade do presidente têm levado a um protagonismo legislativo perverso

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O presidente português, Marcelo Rebelo, acaba de anunciar novas eleições após o Parlamento rejeitar o Orçamento para 2022 apresentado pelo primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista (PS). Costa está no poder desde 2015, quando o PS obteve 32,3% das cadeiras —e seu rival do PSD, 38,5%—, mas logrou montar a chamada "geringonça", o pacto formal com o Partido Comunista Português (PCP, com 8%) e o Bloco de Esquerda (BE, com 10%).

O primeiro-ministrode Portugal, Antonio Costa - Johanna Geron - 25.jun.2021/Reuters

Quatro anos mais tarde, o PS ganhou 10 cadeiras, enquanto o PCP perdeu 5 (agora tem 4% do total); mas não alcançou maioria. A "geringonça" não foi renovada formalmente, mas houve acordo informal sinalizando que os dois partidos não obstruiriam o governo. Durou 24 meses.

Kingmakers, no jargão, são atores que exercem papel decisivo no processo de formação de governos pela posição estratégica que ocupam. Sob o parlamentarismo multipartidário, eles são partidos pequenos (ou até minúsculos) cuja adesão a coalizões viabilizam a formação de maiorias legislativas e, consequentemente, de gabinetes --ou a derrocada deles. Na Alemanha, o Partido Verde está substituindo o FDP neste papel.

A saída da coalizão por PCP e BE é contraintuitiva para quem assume que partidos são apenas máquinas de extração de rendas. Na realidade, a participação no governo lhes custou cadeiras. O pomo da discórdia foi o Orçamento: os parceiros à esquerda do PS exigiam um valor elevado para o salário mínimo e gastos sociais. Como já discuti neste espaço, não existem emendas parlamentares ao Orçamento na maioria dos países parlamentaristas e sua aprovação equivale a uma moção de censura.

Entre nós, muitos atores vêm se referindo a Arthur Lira como uma espécie de kingmaker: ele tem papel crucial não na seleção do governo, mas na sobrevivência dele. Quer pelo escudo legislativo, quer por controlar a agenda e ser gatekeeper do impeachment. As emendas orçamentárias cumprem papel central nesse processo.

O presidente nem sequer tem partido: eles importam pouco no processo de seleção do chefe do Executivo, que pode ser um outsider. Eles importam muito no processo governativo, mas alguns instrumentos de construção de maiorias foram transferidos ao Legislativo por omissão e vulnerabilidade do presidente. As emendas de relator e o controle de Lira sobre R $ 18 bi. Com 7,4% das cadeiras da Câmara, seu partido comanda uma maioria gelatinosa. Não se trata do jogo tradicional da barganha parlamentar; o processo é opaco e sem controle.

Os partidos comandam recursos bilionários do fundo partidário e eleitoral --não há nada remotamente parecido em nenhuma democracia--, garantindo-lhes maior autonomia vis-à-vis do Executivo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) - Pedro Ladeira/Folhapress

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