Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

A maldição dos incumbentes

Argumentar que há derrocada do neoliberalismo na América Latina não se sustenta

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O que Bibi Netanyahu, Sebastián Piñera e Boris Johnson têm em comum? A resposta comporta qualificações, mas três aspectos são relevantes.


O primeiro é que essas lideranças, em sistemas de governo distintos, estão entre as mais bem-sucedidas no combate à pandemia da Covid. O Reino Unido foi o primeiro país a vacinar a população e as iniciativas no país tornaram-se referência; o Chile foi por larga margem o campeão da vacinação na América Latina e adotou medidas emuladas em outros países; Israel foi o primeiro país a vacinar a quase a totalidade da população adulta.

Primeiro ministro britânico, Boris Johnson, em visita a centro de vacinação em Batley, norte da Inglaterra - Jon Super -1.fev.21/AFP


O segundo aspecto é que, paradoxalmente, esses líderes se tornaram politicamente tóxicos e naufragaram nas eleições. No caso de Johnson, uma ressalva: trata-se apenas de uma eleição regional, embora crucial, mas as pesquisas recentes apontam para uma derrota dos Tories nas eleições gerais. Ele tornou-se muito impopular e recentemente seu mais importante assessor —o negociador chefe do Brexit— se demitiu.



O terceiro é que há mais incumbentes à direita do que à esquerda, o que gera a falsa conclusão de que os resultados eleitorais refletem ondas ideológicas.



Sim, a pandemia afeta negativamente o desempenho político dos incumbentes e impacta sua sobrevivência. É certo que o efeito conhecido na literatura como "rally round the flag" (união coletiva contra uma ameaça) turbinou no curto prazo a popularidade desses governantes. Mas logo se instala uma espécie de fadiga institucional.



A razão foi apontada por Scott Ashworth e coautores: calamidades e emergências levam eleitores, tipicamente desatentos e indiferentes à política, a focar nos governantes. E cidadãos hiperatentos são mais sensíveis aos custos concentrados gerados pela pandemia e punem incumbentes.

Assim, eventos negativos afetam a popularidade dos incumbentes independentemente do seu desempenho. Quando este é desastroso, há um efeito multiplicador —como é o caso de Bolsonaro, o que explica o espetacular aumento de sua rejeição.



A primeira qualificação a ser feita é que a sobrevivência política de incumbentes não é determinada por um único fator: ela depende de múltiplos fatores e o contexto importa. O desempenho da economia (recentemente sobretudo via inflação) e escândalos afetam a sobrevivência política: os três citados estiveram envolvidos em escândalos de corrupção (no Reino Unido envolvendo parlamentares conservadores).



Na América Latina, os incumbentes foram afetados pela pandemia independente do desempenho ou de orientação ideológica. Argentina e Peru são exemplos. O argumento de que se trata da derrocada do neoliberalismo na região não se sustenta.

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