Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Invasão do Capitólio, Brazilian style?

Nosso sistema eleitoral não é descentralizado, hiperpolitizado, nem visto como vulnerável pela opinião pública

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O debate sobre as eleições presidenciais tem girado em torno da tentativa de um "golpe" (com hora marcada!) e a referência ubíqua é a invasão do Capitólio americano. O paralelo tem alguma plausibilidade; são dois líderes populistas que compartilham similaridades. Mas há pelo menos três importantes diferenças institucionais que explicam por que a dinâmica de um eventual tumulto seria radicalmente distinta.

A primeira é que inexiste uma autoridade federal de facto encarregada de eleições nos EUA. A ratificação dos resultados eleitorais é descentralizada a nível estadual e mesmo local; o que é consistente com a existência de diferentes regras eleitorais nos estados (o que não é excepcionalidade americana, é assim também na Argentina, Alemanha etc.). No Brasil, o sistema é centralizado no TSE.

A ESQUERDA > O deputado Daniel Silveira ao lado de Julio Monteiro ( usando chifres ) durante ato na frente da reitoria da UFF.   A DIREITA> Jacob Anthony Chansley, também conhecido como QAnon Shaman, durante a invasao no Capitólio dos EUA em Washington, DC, no dia   06 de janeiro de 2021 em ato pro Donald Trump. (Foto: Eduardo Anizelli/ Folhapress e Saul Loeb - 6.jan.21/AFP )
Jacob Anthony Chansley, conhecido como QAnon Shaman, durante a invasão no Capitólio dos EUA em Washington, em ato pro Donald Trump - Saul Loeb - 6.jan.21/AFP

A segunda diferença é que as eleições presidenciais em nosso país são diretas. Nos EUA ocorrem em um colégio eleitoral no qual o número de delegados é igual à soma do número de deputados e senadores de cada estado. E, pela regra adotada, o partido vencedor no estado escolhe todos os delegados (há exceções).

A regra magnifica a importância de eleições locais para o resultado final: a eleição passa a ser decidida em pouquíssimos estados. A perda da eleição por um voto em um estado pode significar a perda de todos os delegados desse estado e garantir a vitória ao adversário (na Flórida, por exemplo, a perda por 1 voto—igual a 7.1 milionésimo do total de eleitores— implicaria a perda de 30 —5,5%— dos votos no colégio). Este hiperlocalismo politiza o processo de ratificação local, individualizando os conflitos na figura dos tomadores de decisão (o secretário de Justiça estadual, ou outros agentes que em alguns estados são eleitos.

Terceiro, nos EUA o processo eleitoral tem sido historicamente hiperpolitizado. Os obstáculos ao voto da população negra têm sido problema perene mesmo após o Voting Rights Act (1965). Muitos foram instituídos recentemente. Ademais, problemas de contagem expuseram eloquentemente a fragilidade do sistema. Na eleição Bush versus Gore (2000) os problemas de contagem na Flórida chegaram à Suprema Corte e ocorreram enorme mobilização e protestos de rua pelos democratas.

O episódio adquiriu visibilidade tendo sido tema de um filme popular, "Recontagem" (2008), com Kevin Spacey.

Nada disso ocorreu no Brasil. O último episódio de contestação (Proconsult) foi uma eleição para governador durante o regime militar. A auditoria solicitada pelo PSDB das eleições de 2014 permaneceu desconhecida do grande público.

O sistema brasileiro não é frágil, nem hiperlocalista, tampouco hiperpolitizado.

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