Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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Maria Hermínia Tavares

Os chilenos se falam

Lá, como em outras partes, a radicalização serve à direita

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É impossível —e, portanto, inútil— querer decifrar os motivos que continuam levando milhões de chilenos às ruas há quatro semanas. Como sempre, quando uma gigantesca massa humana se põe em movimento, nestes dias no Chile e em Hong Kong, ou em 2013 no Brasil, as razões são certamente múltiplas. E o melhor —e o muito pouco— que se pode dizer é que na sua origem pulsa um sentimento muito forte de injustiça.  Tampouco conhecemos o ponto de ebulição que transforma um mal-estar difuso em protesto social multitudinário.

Por isso, vale mais a pena acompanhar a reação do sistema político à força e à cacofonia das ruas —uma reação que diz muito da maneira como governo e oposição jogam o jogo da democracia no Chile.

Enquanto a primeira-dama do país, trocando mensagens com uma amiga, se perguntava se as ruas de Santiago haviam sido tomadas por alienígenas, o presidente Sebastián Piñera, eleito pela direita, ordenou violenta repressão que deixou mais de uma dezena de mortos e muitas centenas de feridos. Um cenário mais do que propício à radicalização e ao confronto entre governo e partidos de oposição, com vistas a ganhos eleitorais futuros.

Mas tudo parece estar tomando outro rumo. Diante do prosseguimento dos protestos e da péssima repercussão das medidas repressivas, o governo chamou a oposição majoritariamente socialista para conversar e pediu à sua adversária, a ex-presidente e hoje Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que organizasse missão para averiguar a ocorrência de violação de direitos dos manifestantes. 

Embora tensas e difíceis, as conversas entre governo e oposição desembocaram em um acordo para a convocação de plebiscito sobre o preparo de uma nova Constituição. As ruas ainda continuarão em revolta e muita coisa pode bloquear o caminho do entendimento. É possível que a fratura social exposta em público seja tão profunda que dela brotem líderes populistas como José Antonio Kast, que muitos chamam de Bolsonaro chileno.

 Mas até agora o que se vê é um esforço considerável, à esquerda e à direita, para preservar as instituições democráticas e o espaço de entendimento que elas requerem e favorecem. Isso resulta menos do natural instinto de autopreservação dos políticos do que da leitura que os partidos progressistas chilenos fizeram da experiência de polarização e confronto durante o governo de Salvador Allende (1970-1973), sem o que talvez não se seguisse a feroz ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Lá, como em outras partes, a radicalização serve à direita.

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