Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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Maria Hermínia Tavares
Descrição de chapéu Rússia

Putin em pele de vítima

As ideias de Putin formam parte do repertório da extrema direita no mundo

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Ocupando uma tela inteira, o mapa mostra bases de mísseis ao redor do imenso território russo, enquanto Vladimir Putin, com um gesto de abraçar o vazio, descreve a situação de seu país, segundo ele permanentemente ameaçado pelo Ocidente.

A cena é do segundo episódio do documentário em quatro partes "Entrevistas com Putin", do cineasta americano de esquerda Oliver Stone, lançado em 2017 e levado ao ar no Brasil pela TVT (TV dos Trabalhadores).

Ela dá o tom da conversa de quase quatro horas, durante as quais o autocrata vai revelando, com precisão e perfeito controle da imagem que quer projetar, sua versão de uma Rússia altiva, conservadora e vítima da incompreensão, dos compromissos traídos e das ambições das potências ocidentais.

O tom é mais sereno, mas a mensagem é a mesma do discurso da segunda-feira (21/2): querem usar a Ucrânia como trampolim para invadir a Rússia, a fim de "destruir nossos valores tradicionais, impor-nos seus falsos valores que nos destruiriam, destruiriam nosso povo por dentro, atitudes que vêm impondo agressivamente em seus países, atitudes que levam diretamente à degradação e à degeneração, pois são contrários à natureza humana". Em suma, a Rússia é vítima da cobiça dos grandes.

As ideias de Putin sobre os valores e o papel de seu país no mundo têm raízes na direita tradicionalista russa, como observou João Pereira Coutinho na excelente coluna da terça (1º), nesta Folha. Sua ascensão e duas décadas de poder se explicam pelo cataclismo econômico e social que se seguiu ao colapso da União Soviética.

Mas o nacionalismo chauvinista, a vitimização, a paranoia política e a rejeição aos chamados valores ocidentais —respeito aos direitos humanos, à expressão da diversidade de comportamentos e, especialmente, às regras da democracia representativa— formam o repertório compartilhado pelo populismo no mundo.

Interpretada à luz das tradições e conflitos de cada país, é moeda corrente no México de Lopez-Obrador; na Hungria de Viktor Orban; na Venezuela de Nicolás Maduro; na Turquia de Recep Erdogan; na Índia de Narendra Modi --e como foi nos EUA de Donald Trump. Serve ainda para cercear a democracia e, no limite, instituir regimes autoritários nos países em que a extrema direita comanda.

É razoável discutir a oportunidade e as consequências para a paz da expansão da Otan às fronteiras da Rússia. Mas daí a comprar a versão putiniana de que o país é vítima de uma agressão comandada pelos EUA e se defende como pode— equivale a avizinhar os Urais da Sibéria. Uma distância que a esquerda democrática não poderia ignorar.

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