Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Maria Hermínia Tavares

Pobreza e populismo

Na luta contra a miséria, uma década foi pelo ralo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No começo de 2013, o país parecia decidido a reduzir a pobreza e acabar com suas formas mais extremadas. Em lugar disso, vieram, entrelaçadas, a recessão de 2014, a crise política e a ascensão da dupla Bolsonaro-Guedes. Foi um retumbante retrocesso. Hoje, a renda per capita dos 20% mais pobres da população se assemelha à de 2012. Pior: caiu abaixo à do ano em que a economia entrou em parafuso. O mesmo ocorreu com a porcentagem dos extremamente pobres. Na luta contra a miséria, uma década foi pelo ralo.

Empobrecimento da população aumentou o número de moradores de rua - Bruno Santos - 18.mai.22/Folhapress

Esses dados deprimentes estão esmiuçados no texto "A evolução da pobreza monetária no Brasil do século 21" de autoria do mais que competente sociólogo Pedro Ferreira de Souza, recém-publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A linha da pobreza, como se sabe, é uma faixa estreita e escorregadia, onde milhões de pessoas estão sujeitas a se desequilibrar sem mais aquela. Basta uma doença; a perda do emprego ou do bico; o colapso do pequeno negócio informal por falta de fregueses também empobrecidos —e por aí vai.

Além de configurar uma tragédia humana, a existência de imenso contingente de brasileiros que vivem da mão para a boca tende a produzir efeitos políticos nefastos: estreita o raio de ação de forças comprometidas com reformas sociais sustentáveis e abre larga avenida para o populismo.

Nenhum exemplo é mais ilustrativo do que a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional 1/2022, conhecido como PEC Kamikaze. Obra-prima da lavra populista e peça da campanha de Bolsonaro à reeleição, é desde logo uma forma pervertida de política social. Tira recursos da saúde e da educação para aumentar —só por alguns meses— o valor do Auxílio-Brasil e garantir outros benefícios a grupos específicos, ao tempo em que manda às favas as normas fiscais.

Apesar disso, a PEC foi aprovada com o apoio maciço das forças de oposição —nelas incluídas as bancadas dos partidos de esquerda comprometidos com a justiça social. Seus líderes argumentaram não poder votar contra a concessão de benefícios aos mais necessitados. Pode parecer puro oportunismo. Não é. Indica, isso sim, a percepção de como é difícil encontrar apoio na massa de eleitores vulneráveis para a definição de prioridades e a opção por políticas sociais redistributivas que caibam no orçamento dos governos.

O sentimento de urgência é indissociável da carência de quase tudo e da insegurança econômica em que vivem os brasileiros pobres. Dá força à demagogia populista e desafia a imaginação dos que sabem que não há progresso social duradouro sem alicerces fiscais firmes.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.