Maria Homem

Psicanalista e ensaísta, com pós-graduação pela Universidade de Paris 8 e FFLCH/USP. Autora de "Lupa da Alma" e "Coisa de Menina?".

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Descrição de chapéu Mente

Bandeira e Futebol: símbolos de união?

Talvez seja bom repensar nossas história e origens, diagnosticar os problemas reais e debater políticas

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Uma das mais bonitas definições de um conceito nos diz que símbolo é a presença de uma ausência. A começar de qualquer palavra, como maçã, que é a presentificação da maçã que mordemos a cada dia. Ou a aliança que envolve os dedos dos noivos e por vezes os noivos. Ou uma cor, como vermelho, que pode ser amor e jamais teremos na nossa bandeira. Expulsamos essa parte do lema positivista de Auguste Comte: "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim".

Nossa bandeira tem o céu e as estrelas, as águas e as florestas, o brilho. O amarelo é o ouro que por sua vez representa todas as riquezas do nosso impávido colosso. Atualmente o amarelo está competindo com o verde. E não é só no Brasil e na Amazônia que se destrói a casa para se extrair riquezas.

A ilustração de Luciano Salles, publicada na Folha de S.Paulo no dia 4 de Dezembro de 2022, mostram destaque uma flâmula da bandeira do Brasil amarada em uma vareta amarela. A mesma vareta esta amarrada em uma faca toda vermelha por cordões amarelos. A mesma faca toda vermelha está enfiada na canela e que atravessa um meião amarelo de um um suposto jogador de futebol que veste o meião e chuteiras azuis. Há mais duas faca fincadas em um lençol vermelho que é onde o jogador está deitado. Ao fundo, muitas e pequenas bolas de futebol rosa fazem todo fundo da ilustração.
Luciano Salles

Mas a cadeia simbólica é sempre emaranhada e traz cargas inconscientes. As nossas cores, marcadores por excelência da soberania nacional, não são só nossas. Elas também reverenciam nossa gênese colonial e trazem um resto recalcado de aspirações de realeza: o verde da casa de Bragança de Pedro 1º e o amarelo dos Habsburgo da culta Leopoldina.

Outra função do símbolo é agregar pessoas em torno de si. O conceito de nação mostra isso: juntar pessoas diferentes em torno de um único significante, como Brasil, de uma língua (ou várias), um território (contíguo ou não), uma narrativa de origem (nunca pacífica). Ou seja, trata-se de uma operação mental de altíssima complexidade. Relativamente recente na história humana, a ideia de nação foi um recurso para nos agrupar em grupos cada vez maiores de desconhecidos. Afinal, o que é o Brasil? Ou a Suíça, com quatro línguas oficiais e que ganha mais não fazendo parte da União pela qual é cercada? Ou Israel, que para uns deve ser laico e para outros religioso, sendo que os religiosos ainda se subdividem (e por vezes se matam)? Vai vendo o tamanho do enrosco.

No Brasil, a bandeira deixou de ser símbolo de identidade nacional e passou a ser marca identitária de uma parte da nação, em conflito com a outra parte. Para alguns, cores ficaram desconfortáveis. E pensar que Elis foi enterrada com um desenho em referência à bandeira, em outro momento histórico de disputa desse símbolo.

O futebol –outro jogo simbólico- será um caminho possível para o retorno da união fraturada? Todos nós sentiremos um impulso irrefreável de sair às ruas com a bandeira verde-amarela, felizes pela vitória num esporte que até um certo 7x1 era uma "paixão nacional"?

Não parece. Há os patriotas que torcem pela nação e pela bandeira e agora torcem contra a Copa. Há os que torcem pela Copa mas contra o Neymar. Há os que torcem pelo futebol e a favor do jogador mas contra a figura pública do jogador. Que ficam felizes que ele está machucado porque em termos políticos ele é um ‘idiotes’, como diriam os gregos daquele que pensa mais na própria pessoa que no coletivo.

A verdade é que continuamos profunda e amplamente divididos. Talvez seja bom. Bom para repensar nossas história e origens, diagnosticar os problemas reais e debater políticas. De preferência não só estratégias de ataque e defesa dentro de quatro linhas de uma arena gramada com atores bem pagos performando o show.

Eu ousaria sonhar alto: além de ganhar campeonato de futebol, o Brasil deveria estar no top 10 de IDH mundial. Concordemos que desenvolvimento humano é mais importante que meter bola na rede. E milhões usufruiriam de fato de alguma vitória. Mais dos que entraram no clube de milionários, que bateu recorde sob Bolsonaro. Os pouquíssimos que comem pretensamente bem em restaurantes caros, ostentando relógios, mulheres e aviões. O melhor que conseguimos é produzir ideais egóicos em um sistema de identificação perversa com o ídolo inalcançável para as massas?

A gente pode mais que isso. Quem sabe dê para costurar essa bandeira.

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