Um inocente road show em escolas públicas, privadas e creches, com o palhaço que simboliza a marca de hambúrguer, pode caracterizar publicidade infantil disfarçada? Para o McDonald’s, não. Para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, que multou a empresa em 2018, sim. Para a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, sim. Para mim, também.
Induzir crianças a consumir produtos, nem sempre saudáveis e nutritivos, não é ação de responsabilidade social. O mesmo personagem que sustentou o crescimento mercadológico da marca não seria a figura mais indicada para promover shows em creches em escolas. Talvez em lanchonetes franqueadas da rede, porque lá são vendidos produtos.
Não se trata de cercear a liberdade de propagar produtos e serviços, mas sim de evitar que isso seja feito para um público que ainda está desenvolvendo sua capacidade de avaliação e de escolha. Crianças não deveriam ser, portanto, alvo de campanhas publicitárias.
Em 2009, por intermédio da associação na qual atuava, fui signatária do manifesto “Pelo fim da comunicação mercadológica dirigida ao público infantil”. O documento defendia os direitos da infância, da Justiça e a noção de sustentabilidade, hoje muito mais em voga.
O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que é abusiva, dentre outras, a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança. Mais claro do que isso, impossível.
Sabemos que a publicidade tenta nos conquistar não somente de formas conscientes, mas também apelando ao inconsciente. Não conseguimos mensurar adequadamente o impacto destas mensagens quando o receptor é criança. Escolas e creches não são ambientes para captar consumidores, nem mesmo para cativá-los. Destinam-se ao ensino e a proteção dos pequenos.
Dora Martins, desembargadora relatora do processo em questão, na Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, já proferiu voto que considera abusiva e ilegal a prática da rede de lanchonetes. Foi pedida vista dos autos. Nada contra o palhaço Ronald, mas sim contra a publicidade infantil.
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