Mariana Lajolo

Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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Duas Simones nos ensinam como a questão racial é marcante no esporte

Simone Manuel é uma das mais rápidas nadadoras do planeta. Deixou os Jogos do Rio com quatro medalhas —dois ouros e duas pratas— em provas de velocidade. E um incômodo com o aposto que sempre acompanha seu nome: "a nadadora negra".

Não que tenha problemas com sua raça ou sua cor, ela só acha que, cada vez que alguém precisa lembrar que ela é negra, reafirma que a nadadora faz parte de uma minoria e que sua presença naquele ambiente se torna quase exótica. Ela se tornou a primeira mulher afrodescendente a ganhar uma medalha olímpica.

Existe uma discussão científica sobre as desvantagens dos negros na natação. Composição corporal, musculatura e outros fatores levariam os negros a serem menos eficientes na água.

A teoria é polêmica. Mas o fato é que há, sim, atletas negros que conseguem se destacar.

O problema é que são muito poucos. Eles só aparecem em quantidade nas Olimpíadas nas eliminatórias dos 100 m e 50 m livre. São atletas de pouca ou nenhuma expressão, a maioria de países pobres da África, que ganham a chance de participar da experiência olímpica.

Então vamos pegar outra Simone dos Jogos do Rio. A Biles, atleta que parece ter tido o corpo moldado para as acrobacias que executa. Em uma ginástica cada vez mais física, a negra de músculos avantajados massacra as rivais magras e brancas.

Os negros, teoricamente, levariam vantagem na ginástica, que exige habilidades parecidas com as do atletismo, cheio de estrelas negras. Pensando por essa lógica, por que não os vemos em grandes quantidades fazendo acrobacias? Na final do individual geral nos Jogos do Rio, havia apenas três afrodescendentes, entre elas Simone e a brasileira Rebeca Andrade.

A resposta parece estar mais em fatores socioeconômicos do que no campo da composição corporal ou da genética.

A natação não é um esporte barato. As pessoas começam a praticá-lo em clubes ou escolinhas, geralmente pagas. Não dá para nadar em qualquer lugar, manter uma piscina custa caro. Fatores que fazem com que não seja um esporte de prática mais disseminada entre os mais pobres.

A ginástica segue a mesma lógica. Para deslanchar no esporte, você precisa de clubes especializados, com aparelhos caros. Não se pode começar a buscar o sucesso só com um par de tênis, como no atletismo.

O conto das duas Simones no Rio nos ensina muito como a questão racial ainda é marcante no esporte olímpico. Elas ainda são as campeãs negras. Quem sabe chegará um dia em que serão apenas campeãs.

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