Marilene Felinto

Autora de "Mulher Feita e Outros Contos" e "As Mulheres de Tijucopapo". Mantém o site marilenefelinto.com.br

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Marilene Felinto
Descrição de chapéu Eleições 2022

Se Tarcísio vencer em São Paulo, catástrofe será culpa do interior do estado

Redutos da direita são territórios de moralismo e ódio de classe

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Se a direita vencer a eleição ao governo do estado de São Paulo, grande parte da catástrofe será devida ao atraso político do interior (uma vez mais). No resultado do primeiro turno, o verde-amarelismo bolsonarista mancha o mapa paulista de ponta a ponta. O candidato carioca-androide lançado por Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Republicanos), venceu nas maiores cidades do estado.

Importante conhecer os nomes de alguns desses lugares —Bauru, Campinas, Franca, Jundiaí, Limeira, Piracicaba, Ribeirão Preto, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Sorocaba, Sumaré, Taubaté—, redutos da direita ou da falecida centro-direita tucana, núcleo duro do reacionarismo da "terra-roxa", território de violência, intolerância, moralismo e ódio de classe.

No que se refere à ideologia, pararam nos anos 1940. O voto majoritário ali é o do ressentimento de origem e do sentimento de inferioridade, do estrato mais conservador: a classe média, definida como aquela que valoriza o status e os costumes da aristocracia burguesa —embora não consiga de todo ascender a esta posição— e que teme decair para a proletarização das classes D e E.

Tarcísio de Freitas (à esq.), candidato pelo Republicanos ao Governo de São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o atual governador do estado, Rodrigo Garcia (PSDB) - Bruno Santos/Folhapress

É a camada que vê como ameaça a proposta socialista das esquerdas e que vota como se o resto do estado (especialmente a capital) fosse um batuque de negros, dança e ritmo que repudia e com a qual teme se deparar em praça pública, uma vez que tal coisa poderia degradar a reputação do lugar -uma vez que teme ser equiparada à plebe e não à classe alta que pretende ser.

Para essa analogia com o batuque, baseio-me no texto "Opinião e Classes Sociais em Tietê", de Antonio Candido, resultado de uma pesquisa de que o sociólogo participou em 1943, na cidade de Tietê (SP).

Assim Candido descreve o episódio que mexeria com o orgulho local e gerou uma crise na consciência coletiva da população: "Poucas vezes se realizam batuques na cidade de Tietê e nunca no centro da cidade, tendo sido esta a primeira vez que as autoridades não só deram permissão para tal, como compareceram; (...) neles [nos batuques] tomam parte sobretudo negros [‘alguns ex-excravos’]; (...) ao tempo da pesquisa, o vigário local se esforçava por impedir a ocorrência das danças afro-brasileiras, consideradas por ele ocasião de escândalo e imoralidade".

A pesquisa do autor de "Os Parceiros do Rio Bonito" conclui, grosso modo, que a reação mais negativa ao evento veio da igreja e do que ele classificava então como "a classe II", ou seja, a classe média, em contraposição à "classe I" (a classe alta, incluindo a autoridade local) e à classe III (os pobres, os negros performadores do espetáculo do batuque).

"Os indivíduos das classes I e III aceitaram ou, mesmo, aplaudiram, na sua quase totalidade, a realização do batuque", continua o sociólogo. "(...) Na Classe II, pelo contrário, localizavam-se quase todos os adversários, dos simplesmente reprovantes aos que protestaram com maior ou menor violência (...), seja por motivos morais, seja por orgulho local, ferido pela possibilidade de os visitantes menosprezarem uma cidade ‘em que se dança batuque’."

Qualquer semelhança da reação do interior paulista ao batuque, na Tietê dos anos 1940, com a aversão caipira a propostas progressistas e social-populares na eleição atual não é mera coincidência.

Certamente a classe média interiorana olha para o candidato das esquerdas (Fernando Haddad, do PT) como olhavam e olham para os negros batuqueiros -com censuras, como comenta Candido, com o sentimento de orgulho local mortificado: "será que não há nada melhor para mostrar em Tietê?"; "pouca vergonha, ir ver negro dar umbigada"; "daqui a pouco os rapazes de família vão cair no batuque com as negras".

O interior segue no obscurantismo preconceituoso. Condena um candidato que não apenas representa a ilustração (Haddad, um professor universitário) como também o legado do proletariado (o PT; os trabalhadores; Lula, um nordestino, quase um negro). A classe média caipira teme o saber, o conhecimento que possa afirmar o que ela de fato é.

Trata-se do mesmo voto que elegeu João Doria (ex-PSDB), o playboy de Campos do Jordão, estância climática invernal da Serra da Mantiqueira paulista, antes idílica, mas cuja aura ficou marcada negativamente por exemplares do novo-riquismo pedante e cafona como Doria. O interior elegeu esse ícone da desavisada indumentária do sapatênis e da camisa polo e caiu do cavalo (como se diz por lá).

Vai cair de novo. Se a ultradireita bolsonarista vencer a eleição em São Paulo, o estado perdeu, perdeu... Será como um assalto à mão armada. "Perdeu, perdeu!", diriam os infratores comemorando.

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