Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Celebrar baleias falantes é ignorância

Vi colegas festejando o feito, compartilhando reportagens e vídeos, infelizmente

Wikie, uma fêmea orca de 16 anos, foi ensinada a imitar palavras em inglês e contar até 3
Wikie, uma fêmea orca de 16 anos, foi ensinada a imitar palavras em inglês e contar até 3 - Marineland

Pode parece fofo e inofensivo uma baleia orca no noticiário mostrando como aprendeu a dizer “hello”. Vi colegas jornalistas festejando o feito, pessoas compartilhando reportagens e vídeos, infelizmente.

Não se trata de maldade, apenas falta de informação. Eu mesma num passado, um tanto distante, me diverti muito ao ver orcas e golfinhos dando piruetas num desses parques aquáticos espalhados ao redor do mundo, sem me dar conta de que passam a vida confinados em tanques de água, sendo treinados para fazer acrobacias para o deleite da plateia, que ignora o que existe por trás de tanta desenvoltura e interação .

Mas é impossível desprezar a triste realidade desses mamíferos depois que dois documentários mostraram sem nenhum tipo de romantização o que acontece com os animais que ou são capturados em condições brutais ou nascem em cativeiro, o que parece ser situação tão ruim quanto.

Os pesquisadores que conseguiram o feito de arrancar cinco sons similares a palavras humanas de duas orcas deram justificativas diversas para o “estudo”, talvez já prevendo críticas. De como isso pode contribuir para entender a capacidade de comunicação das orcas, dando a entender que o fato é essencial para a preservação da espécie. Sei. Outra desculpa é as baleias cativas já nasceram confinadas e não conseguiriam se adaptar à vida selvagem. E por isso podem ser submetidas a um intensivão de inglês?

Será que todo dinheiro investido nessas pesquisas tão reveladoras não poderia ser usado para monitorar a adaptação das orcas no mar?

Longe de ser ecochata, mas parece cada vez mais claro que não faz o menor sentido que animais sejam submetidos a qualquer tipo de “treinamento” e muitas vezes a condições degradantes, apenas para nosso entretenimento.

Com exceção dos santuários criados para salvar animais vítimas de maus tratos, de tráfico, resgatados de zoológicos, qual a necessidade de trancafiar qualquer tipo de espécie em jaulas ou tanques de água? Isso vale para rinhas de galo, brigas de cães, corridas de cavalo, touradas e vaquejadas. Essas últimas continuam rolando soltas depois da aprovação de uma emenda parlamentar que contraria a decisão do Supremo Tribunal Federal de proibi-las em todo país.

Já me posicionei contra as vaquejadas mais de uma vez. Numa delas, um senador favorável a essa aberração chegou a me ligar e disse que sua região era carente de shopping centers e que a população não poderia ser privada desse “lazer”. Percebe-se o nível dos nossos parlamentares.

No final do ano, durante um mergulho dei de cara com um tubarão. Foi certamente uma das experiências mais inesquecíveis da vida. Mas depois disso, voltei para casa e ele continuou lá na dele. É inegável que a vida animal exerce um fascínio enorme e que muita gente quer ter contato com esse universo. Imagino que safaris de observação na África devam ser muito enriquecedores, mas qual a graça em ver um leão dentro de um cercadinho recebendo carne três vezes ao dia como se fosse fast-food?

Nadar com golfinhos deve ser mágico, mas depois de assistir ao documentário The Cove, vencedor do Oscar em 2010, a ideia parece inconcebível. O filme mostra como os animais são capturados na costa japonesa, selecionados para serem vendidos a parques do mundo todo. Os golfinhos são encurralados numa enseada, escolhidos como se estivessem numa vitrine e o restante é sacrificado, deixando um mar de sangue no local.

Vale ressaltar que uma das pessoas por trás desse doc é Rick O’Berry, um dos maiores treinadores de golfinhos do mundo, responsável pelos animais da série Flipper. O’Berry é, hoje, um dos grandes defensores da libertação dos golfinhos e autor de várias denúncias sobre os maus tratos físicos e psicológicos aos quais os animais são impostos.

E, finalmente, Blackfish, que mostrou a triste história da baleia Tilikun, estrela do Sea World. A orca, capturada na Islândia, matou três pessoas, incluindo a sua treinadora durante uma apresentação, em frente a uma plateia lotada. O documentário fala do estresse dos animais por causa dos treinamentos, dos tanques apertados, além de maus tratos. Há inúmeros casos abafados de ataques de orcas dentro dos cativeiros.

Talvez elas tenham que aprender a dizer “nos deixem em paz”, porque parece que treinadores e pesquisadores, além de parte do público, não entendeu o recado.

Mariliz Pereira Jorge
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