Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu

Meu corpo, minhas regras, minha fantasia

O pouco figurino usado, e ousado, saiu do gueto e ganhou a preferência de muitas

Jovens durante o bloco da Preta Gil no Rio de Janeiro
Jovens durante o bloco da Preta Gil no Rio de Janeiro - Marco Antonio Teixeira - 03.fev.2018/ UOL

Não é impressionante como o Brasil encaretou? Vestiram a Globeleza, censuraram as peladas na avenida. Quase não tem mais peito, bunda e virilha de fora. A Marquês de Sapucaí, de uns anos para cá, tem gente mais vestida do que no frio do Carnaval de Veneza. Em prol do fim da objetificação do corpo da mulher, o politicamente correto cobriu suas partes e serviu de bandeja ao puritanismo que nos assola.

Felizmente a festa vem tomando as ruas e devolvendo ao povo o que é do povo e resgatando sua espontaneidade. Este ano, o mercado deve bater recorde de venda de maiôs, tops, tapa-peitos. Antes, restrito aos blocos não-oficiais, à turma hipster e descolada, o pouco figurino usado, e ousado, por algumas mulheres saiu do gueto e ganhou a preferência de muitas.

No Saara, o primo carioca da 25 de março, havia dezenas de modelos com estampas diferentes e já na semana passada, numa apresentação da Orquestra Voadora, muitas foliãs colocaram o corpo, a bunda, a celulite, para jogo na maior demonstração de que o discurso meu corpo, minhas regras saiu das redes sociais, foi parar na rua e será posto à prova como nunca durante os dias de folia.

Os blocos vão salvar o Brasil da onda conservadora que vem nos assombrando. Enquanto os paladinos da moralidade marcham para assegurar que o Brasil não se perca em devassidão, heroínas da resistência estarão sambando lindamente e com pouquíssima roupa num protesto talvez involuntário, mas colorido e bem-humorado. Podem aguardar muito fio dental e peitinho de fora chacoalhando ao som de Alalaô.

Vai ter liberdade para ficar pelado e também para os que querem se vestir, apesar da patrulha. Felizmente. Um vídeo que circula na internet quer banir fantasias de índio, de árabe, de cigana, de Iemanjá, de enfermeira sexy, homem vestido de mulher. Vão ficar querendo.

O politicamente correto quer acabar com a expressão criativa do folião, com a brincadeira inofensiva que sobrevive às viradas dos séculos, querendo enfiar goela abaixo das pessoas o discurso do machismo, do preconceito, a ideia de que esta ou aquela fantasia reforçam estereótipos de gênero, que reduzem a importância cultural de alguns povos, batem na tecla da apropriação ou ainda que usar uma roupa para cair na folia apenas reforça atitudes sexistas e de poder. Querem tratar manifestações pessoais ou coletivas como ofensa. Não passarão.

Pela lógica dessa gente, se essas regras forem levadas ao pé da letra, quase nada se salva, porque o que não falta é gente ofendida no mundo. No final do vídeo, informam que super-heróis, unicórnios e plantas estão liberados. Ufa.

O fascismo do bem quer incutir também no folião a culpa pelos males do mundo. Não percebe que anda de mãos dadas com o obscurantismo. Não há liberdade de expressão quando não há liberdade. O Brasil está na UTI, mas o Carnaval sobrevive. Nem o politicamente correto vai estragar isso. Meu corpo, minhas regras, minha fantasia.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.