Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Existe sexo depois do casamento?

Todo mundo insiste que a vida sexual de quem casa é um tédio. É verdade, em partes. Ninguém mais tem urgência

“Vamos falar a verdade, quem menos transa aqui são as casadas”, disse uma amiga depois de muitas taças e risadas, e eu imediatamente comecei a fazer contas para ver se a minha média estava na média ditada pelos especialistas.

A maioria das pessoas acredita mesmo que sexo depois do casamento é meio como vida depois da morte. A gente só descobre o que acontece depois que está lá e não volta para contar a ninguém, ao menos enquanto dura a relação.

Mas eis que uma pesquisa feita pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, constatou que casais monogâmicos parecem satisfeitos em seus relacionamentos, ainda que os não-monogâmicos pareçam fazer sexo com mais frequência ou tenham mais orgasmos. Ou seja, quem é casado até transa menos, mas tudo bem.

Não é novidade que muitos especialistas apontam que o futuro dos casamentos é o fim do que eles chamam de amor romântico, aquele em que vivemos amarrados ao pé da cama numa relação monotemática quando na verdade gostaríamos de comer todo mundo.

Na pesquisa, foi vasculhado também o comportamento dos poliamoristas, aqueles que vivem mais de um relacionamento ao mesmo tempo, e também dos adeptos do swing, a troca de casais. Os primeiros parecem mais satisfeitos em suas relações e também com a qualidade da vida sexual do que os monogâmicos. Já os do swing estão felizes com o sexo, mas não tão realizados em seus relacionamentos quanto os que vivem relações fechadas.

Este seria o segredo de tantas relações modernas que prosperam, o fim do monopólio sexual e sentimental. Todo mundo poderia namorar e trepar com quem bem entendesse, sem exclusividade, sem cobranças e sem envolvimento.

Achava que o nome disso era vida de solteiro. Eu mesmo namorei em outros tempos três moços que me mantinham entretida e com a produção de colágeno em dia. Desconfio que ficariam um tiquinho aborrecidos ao saber que a razão de tanto desprendimento era a fartura que eu tinha à disposição e não o reflexo de anos de terapia para lidar com ciúme e possessão.

Portanto, preenchi a cota de relações moderninhas em que as pessoas vêm e vão sem deixar ou cobrar saudade. E tenho em mim a perspectiva de ter diluído o estoque de hormônios a tal ponto que hoje eles estejam num nível mais tranquilo do que “treparia com o poste”, aquele que temos quando somos muito jovens, muito inexperientes e muito famintos.

Tenho a esperança de ter ficado um tanto empapuçada de orgasmos desenfreados seguidos de despedidas, às vezes, constrangedoras.

E hoje me alegra transar na mesma cama, na mesma posição, de preferência alguma que não incomode a lombar, e que eu possa dormir de verdade e não com um olho sempre aberto, com medo de roncar ou descobrir no meio da noite que troquei fluidos com um psicopata.

A perspectiva de nunca mais transar alguma novidade ao optar por uma relação monogâmica parece assustadora. É difícil não pensar que em algum momento morreremos de tédio e começaremos a sentir tesão pelo colega de trabalho, pelo vendedor da livraria, pelo professor de ioga. Sempre me pergunto quando esse dia vai chegar porque até agora, depois de anos de casamento, ainda olho para o meu marido e penso “que gato, quero dar para ele”.

Mas todo mundo insiste que a vida sexual de quem casa é um tédio. É verdade, em partes. Ninguém mais tem urgência. O que a gente faria hoje pode ficar para depois da louça, para o fim de semana, quando as crianças dormirem. Ou seja, nunca.

Mesmo assim, aprecio essa fase casal-caretinha e gosto mais do sexo com o mais profundo amor que senti na vida do que aquele com surpresa e tesão desenfreado. Como diria Gabriel Garcia Marques, em Memória de Minhas Putas Tristes, “não vá passar pela vida sem experimentar a maravilha de trepar com amor”. Ele estava certo. Não tem nada melhor. Mas pode ser que seja só preguiça mesmo.

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