Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Obrigada, a gente se vê por aí

Após quase três anos e meio, escrevo pela última vez no caderno Esporte

Aqui jaz minha última coluna no caderno de Esporte, depois de quase três anos e meio. A Folha me deu liberdade total para escrever, sem filtro e sem censura, e trazer ao caderno o olhar alienígena de alguém sem intimidade com o tema. Para falar de futebol e suas tecnicidades o jornal tinha e tem profissionais brilhantes como Tostão, Juca Kfouri e PVC, ídolos com quem tive a honra de formar o time de colunistas.

Não foi e não é fácil assumir o desafio de fugir do monopólio do futebol, que asfixia os outros esportes e sufoca a cobertura esportiva. Tampouco foi confortável receber críticas em que muitas vezes o foco não era o assunto em si, mas a minha condição de mulher numa área muito masculina. 

Mas como diz Simone de Beauvoir, missão dada é missão cumprida. E parafraseando a pensadora contemporânea, Valesca Popozuda, o que não me mata me fortalece. 

 

Brincadeiras à parte, neste tempo, ficou claro que o esporte profissional brasileiro é um retrato do que somos como país. A violência das ruas que se repete nos estádios, o racismo escancarado nas torcidas, o machismo enfrentado por atletas e profissionais, a homofobia que faz do futebol, talvez, o esporte mais hipócrita e alheio à agenda atual, o assédio que atinge crianças, adolescentes, a necessidade do reconhecimento da existência e do respeito aos transgêneros.

É triste constatar que as coisas só vão melhorar na área esportiva quando o próprio país conseguir resolver, ou ao menos diminuir, suas mazelas. Mas o brasileiro tem amadurecido e mostra que sua indignação com a corrupção no país atingiu também uma de suas maiores paixões, o futebol. 

Desde depois da Copa do Mundo, escrevo que o Brasil talvez não seja mais o país da bola. Em comparação com o passado não muito distante, o esporte parece ocupar cada vez mais um lugar secundário em nossas vidas. Essa percepção que reportei aqui de tempos em tempos foi comprovada pela pesquisa divulgada recentemente pelo Datafolha.

Um dos assuntos que mais frequentou essa coluna foi a Olimpíada. O Rio de Janeiro, onde moro, vivia uma euforia e foi ótimo saber que o então prefeito reclamou do mau humor da cobertura do evento, em especial a feita por essa que vos escreve. Percebe-se que o "mau humor" era apenas constatação da realidade. 

Nessa página falei do absurdo da farra feita com dinheiro público quando o governo estadual já começava a atrasar o salário dos servidores aposentados. Questionei se a cidade tinha capacidade de sediar tal evento quando os índices de violência já estavam em patamares escandalosos. Mas as maiores vítimas eram apenas os pobres da periferia e isso parecia não incomodar.

Falei também da guerra que acontecia entre grupos rivais de traficantes nas favelas cariocas poucas semanas antes da Olimpíada e que era pouco noticiada porque não colocava em perigo a região cartão-postal da cidade. Além da água podre que continua a banhar mares, lagoas e a baía, apesar do compromisso olímpico. Lá atrás, disse que não daria tempo e que o COI (Comitê Olímpico Internacional) deveria ser mais rigoroso ao cobrar do Rio e do Brasil que esse legado fosse cumprido.

Sabemos agora que o Rio se despedaçou depois que a festa acabou.

Mas um dos meus temas favoritos, e talvez mais polêmicos, foi o doping. Não tenho dúvida de que o esporte profissional está contaminado e que as agências reguladoras deveriam parar de fazer de conta que conseguem fiscalizar, enquanto está claro que há uma indústria muito mais eficiente em burlar a fiscalização. Deveríamos legalizar o doping? Deixo essa questão final.

Por fim, agradeço ao leitor pela companhia, por seus comentários e suas críticas. Nos vemos por aí.

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