Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu feminismo machismo

São as mulheres suas maiores inimigas?

Pela incapacidade de entender ideias do movimento, muitas mulheres não se dizem feministas

Num curto período de tempo vi gente que se diz feminista decretar que a atriz que virou duquesa será infeliz. Vi contestarem a decisão de uma feminista e o quanto de fato ela é feminista por sua escolha. Como assim um príncipe? Outro tanto de pessoas dizer que é um absurdo uma mulher largar a carreira para se casar. E mais algumas afirmando que se adequar ao protocolo da monarquia britânica é coisa de feminista Nutella porque, que horror, não é mesmo, Meghan Markle não poderá ter perfil em redes socais, tirar selfies, dar autógrafos. Afinal, como ser feminista de verdade sem Facebook e sem postar fotos fazendo bico de pato para a câmera?

Vi muita gente fazer piada de que o feminismo acaba quando aparece um príncipe boa pinta e rico na história, seja com título de nobreza ou só dinheiro na conta bancária mesmo. Pior, tudo isso foi dito por mulheres, e muitas delas se dizem feministas.

Testemunhei discurso de empoderamento se desmanchar cada vez que uma dessas, que erguem o punho por uma causa, escorregou na narrativa do “lugar de mulher é onde ela quiser”. Na teoria pode ser qualquer lugar, na prática menos esse que a duquesa escolheu porque não concordamos. Foi decretado que ela vai perder personalidade e ser profundamente miserável na torre do castelo.

Teve revista feminina dando combustível à falta de entendimento sobre o que é feminismo ao fazer textinho lacrador, caça-clique, para contar tudo o que Meghan Markle terá que abrir mão ao ser escravizada pela realeza. A monarquia britânica tem protocolos caretas e caquéticos que legislam sobre o tamanho das saias e até a cor do esmalte. O fato é que Meghan Markle deve saber exatamente o que escolheu para a vida e quando olhamos para o casamento fica claro que a cerimônia foi “all about her”, que em bom português significa “ela decidiu a porra toda e casou como queria”.

Também ouvi que a atriz se vendeu ao patriarcado. Quem dera que no mundo todo o patriarcado tivesse nos cargos mais importantes da nação duas mulheres, uma rainha e uma primeira-ministra. Tem mais, daqui a pouco Elizabeth morre e tudo isso pode ser revisto porque essa união foi uma mensagem clara de que a coroa britânica entendeu que precisava se modernizar para continuar popular. Acolher uma atriz, divorciada e negra foi um enorme passo. Não será difícil encurtar saias, aprovar selfies, o uso do Instagram e liberar os esmaltes “doida demais”, “preguicinha” e “topless”. Sim, são nomes de esmalte.

Tivemos um show de falta de empatia de mulher para mulher ao alimentar os equívocos que já são rotineiramente disseminados. Esse fogo-amigo dos últimos dias deixou a ala antifeminista do mundo babando como cachorro louco. Gente que acha que feminista não raspa o sovaco, odeia os homens, é avessa ao casamento, ao amor, à família, aos filhos. Algumas são assim, mas o feminismo tem tantas nuances que é impossível descrever uma ativista, além do conceito básico.

É por causa da incapacidade de entender o conjunto de ideias tão simples que definem o movimento que muitas mulheres têm pavor de se dizerem feministas. E como vimos agora mesmo algumas que batem a mão no peito, erguem punhos, dizem defender nossos direitos, parecem não dominar a causa pela qual militam. Fica claro que muitas vezes são as mulheres suas maiores inimigas.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.