Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Quem tem trauma do 7 a 1?

Não consigo entender a raiva por ter que reconhecer a superioridade do outro em campo

Estou na Rússia e escolhi um pub para ver Alemanha e Suécia. Não tenho razões racionais ou sentimentais para torcer para qualquer um dos times. Nem a favor nem contra. Mas no inferno abrace o capeta, e resolvi apoiar quem quase sempre joga um bom jogo. Fui instantaneamente fuzilada por outros brasileiros com quem dividia a mesa. O nível de revolta pode ser comparado ao que eu enfrentaria se tivesse dito que Maradona é melhor do que Pelé, imagino.

Trauma do 7 a 1, me disseram. E em pouco tempo vi sentimentos como raiva, mágoa, medo, desprezo, surgindo dos poros dos meus companheiros de mesa que, para meu total espanto, se achavam quase suecos, desde criancinha.

Talvez eu tenha visto, lá em 2014, outro jogo para não ter guardado tanta raivinha no coração. O que me lembro de um lado é de um time guerreiro, focado, disciplinado, a Alemanha, que meteu cinco gols ainda no primeiro tempo. Do outro, o Brasil, apático, sensível, descontrolado emocionalmente, que abriu as pernas, sucumbiu e só não levou mais porque a Alemanha se apiedou.

E se apiedou sem zombar, sem humilhar, sem se aproveitar talvez do momento mais frágil da história da Seleção Brasileira. Um casal de amigos estava no Mineirão no dia do jogo dramático. Com ingressos de última hora, viram-se no meio da torcida adversária. No intervalo, os alemães vizinhos trouxeram cerveja para todos e disseram o seguinte: “Tomem, é só um futebol. Não vale a tristeza. Vivemos todos num mundo só. Apenas nascemos em países diferentes. E tem sido maravilhoso estar no país de vocês”.

Guardo com carinho a lembrança que os alemães deixaram em sua passagem pela Bahia, onde ficaram concentrados. O trato caloroso com os locais, o carinho com o lugar que os recebeu, o legado que deixaram para os moradores.

Não consigo entender a raiva. Por ter perdido um jogo honesto? Por ter que reconhecer a superioridade do outro em campo? Gente que se sente traumatizada porque tomou uma lavada num jogo. Uma lavada merecida, que fique registrado. Quase me acho normal perto desse tipo de destempero. Mas um bom terapeuta resolve esse tipo de chilique.

Li nas redes sociais todo tipo de recalque e de maluquice. Teve gente que chegou a questionar: mas e o que eles fizeram na Segunda Guerra? Não sei se é para rir ou para chorar. Fico curiosa para saber o que essas pessoas tomam antes de entrar no Twitter.

Dizem que fomos humilhados, que os alemães não precisavam ter feito tantos gols. Não vi esse jogo. Vi outro bem diferente. Há gente que acredita que eles deveriam ter nos respeitado. Mas quem mesmo não se deu ao respeito? Qual time entrou para jogar uma Copa se borrando nas calças, imerso num mundinho particular, afundado numa falência emocional, sem conexão com sua torcida, e que acabou virando tema para um festival de memes?

Dei de cara também com comentários que pregam que precisamos torcer contra para não ter que cruzar com a Alemanha nas oitavas e assim o caminho ser mais fácil. Por que precisa ser fácil? A ideia da Copa do Mundo não é justamente que ganhe o melhor? O que adianta ser campeão sem que sejamos de fato testados?

Domingo, a Inglaterra deu um passeio no Panamá. Os ingleses pareciam entediados vendo o jogo num restaurante em que eu almoçava, na capital russa. Os panamenhos festejaram seu primeiro e único gol em Copas do Mundo como se tivessem levado o campeonato. Duvido que vão guardar mágoa daquela goleada.

Ahhh, mas o Brasil não é o Panamá. Espero que não.

Torcer para a Alemanha num jogo qualquer não significa torcer contra o Brasil. É preciso atingir o ápice da falta de patriotismo para isso. Mas não contem comigo para alimentar uma raiva sem razão. A culpa do 7 a 1 não é dos alemães. Essa conta é nossa.

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