Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Amizades dilaceradas

Vale se engalfinhar nas redes sociais por causa de política?

“Em nosso tempo, aprendemos a submeter a amizade àquilo que chamamos de convicções. E até mesmo com o orgulho de uma retidão moral. É preciso realmente uma grande maturidade para compreender que a opinião que nós defendemos não passa de nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que apenas os muito obtusos podem transformar numa certeza ou numa verdade. Ao contrário da fidelidade pueril a uma convicção, a fidelidade a um amigo é uma virtude, talvez a única, a última. Hoje, eu sei: na hora do balanço final, a ferida mais dolorosa é a das amizades feridas; e nada é mais tolo do que sacrificar uma amizade pela política.”

O trecho acima é parte do ensaio “A Inimizade e a Amizade”, no qual o escritor Milan Kundera fala de relações fraturadas por divergências políticas. Foi escrito em 2009, mas nos ajuda a fazer uma reflexão necessária no momento atual. Vale mesmo se engalfinhar nas redes sociais com amigos, conhecidos, colegas de trabalho, por causa de política?

Nas eleições, em 2014, escrevi neste espaço pela primeira vez sobre o ringue de MMA no qual as redes sociais tinham se transformado. Só piorou. De lá pra cá as pessoas passaram a se sentir muito à vontade para escrever as maiores barbaridades sem se sentirem constrangidas porque encontraram eco em suas idiotices. Ficou claro que muitos de nossos amigos não primam pela inteligência, pela solidariedade, desprezam minorias, são coniventes com corrupção, compartilham fake news e se sentem muito espertos. Também caí na cilada de me achar muito mais sabida do que gente que pensa diferente. Fui mordida pela mosquinha da razão, perdi a paciência, fui arrogante e intransigente. 

Tenho uma lista (não muito grande) de amizades desfeitas ou de relacionamentos estremecidos por causa de política. E, hoje, com o cenário ainda mais conturbado, lamento profundamente que as coisas tenham tomado esse caminho. Sinto saudade de alguns mais próximos e de conhecidos que eram para mim sempre uma alegria rever num post ou num boteco. Amizades nascem pela empatia, crescem com afinidades, ainda que não sejam determinadas apenas por isso, mas por muitos critérios subjetivos, se fortalecem com tempo, carinho e dedicação. Não deveriam terminar por divergências políticas, porque elas sempre existirão.

Mesmo com amigos muitos próximos, com parentes queridos, e até com meu marido, tenho grandes diferenças sobre muitas questões. Nada que agrida minhas crenças fundamentais, mas ainda assim temas que rendem conversas acaloradas, em que os ânimos se agitam, as vozes se alteram. Em português arcaico, a gente fica puto com a opinião do outro e dá uns gritos mesmo para se fazer ouvir, mas, no final, todo mundo se abraça e pede uma saideira, porque a gente gosta mais um do outro do que de político. Qualquer um. Mas não é todo mundo que pensa dessa maneira. Há quem idolatre candidatos com o mesmo fanatismo com o qual reverencia divindades. E pior do que a cegueira religiosa só mesmo a política.

Ao analisar as amizades desfeitas, percebi que a maioria delas aconteceu justamente com pessoas que resolveram brincar de cabos eleitorais. E com esses a conversa parece estar perdida. É avatar no perfil das redes sociais, treta em nome de candidato, ódio, ameaça de vingança.

Minhas batalhas são sempre inglórias porque, em geral, estou na posição de criticar e não de canonizar, mas de que adianta se político virou, para muitos, herói ou santo? Acho difícil acreditar que em 2018, com toda a classe exposta com a bunda na janela, tenha gente que se preste ao papel de lambe-botas (com respeito ao leitor não escrevo o que gostaria) de candidato.

E eu, apesar de ser boa pessoa, limpinha, não ter o nome no SPC, não parar em fila dupla, não usar carteirinha de estudante falsificada e ter sempre ficado ao lado dos meus amigos na alegria e na ressaca, fui trocada por alguns por promessas de campanha. Um diz que vai fazer o Brasil ser feliz de novo, outro assegura união para o Brasil mudar, tem aquele que fala que vai ter mais Brasil. A concorrência é grande.

Uma das poucas coisas que posso oferecer é minha mais singela fidelidade, virtude que Kundera enaltece. Também faço uma moqueca baiana de lamber os beiços. Duvido que algum desses candidatos seja páreo para isso. Por outro lado, está cheio de gente que foca no ódio ao coentro e que não liga muito para esse negócio de amizade.

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