Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

As redes sociais estão te tornando um babaca

Os babacas das redes sociais competem pelos comentários mais raivosos, grotescos e também mentirosos

Ganhei há poucos dias o livro "Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais", de Jaron Lanier (editora Intrínseca). Venho flertando com a vida fora desse ambiente assim que tem sido nosso boteco de todos os dias, mas que cada vez mais parece um lugar com comida ruim e cerveja quente. Sei que pode significar meu suicídio social numa época em que o “penso, logo existo” foi substituído pelo “existo, logo tuíto”.

Eu nem sou do tipo que vive um Big Brother e posta cada passo da minha vida desinteressante. No entanto, muitas vezes, me pego durante minutos checando o que outras pessoas também desinteressantes comeram no café da manhã, como se vestiram, onde almoçaram, o que pensam sobre a política externa da Mongólia ou do apoio de Mariana Silva a Haddad. Engrosso a audiência entediada e aparentemente desocupada que perde tempo demais com assuntos irrelevantes e com outros que são importantes, mas que estão em outras plataformas muito mais sérias.

A verdade é que tenho medo de deixar as redes sociais porque elas me iludem e talvez eu goste de me sentir enganada. Elas nos dão a falsa sensação de que temos muitos amigos (ainda que ela tenha nos aproximado de vários), que estamos sempre muito bem informados (quando na verdade pode ser o oposto), e que fazemos parte de uma comunidade muito engajada em entender e resolver os problemas do mundo (quando não somos capazes nem de dar conta do nosso quadrado).

 
No mundo lá fora tudo parece melhor. A comida deve ser mais saborosa e quente, porque não preciso tirar uma foto e postar no Instagram. As conversas são mais ricas e interessantes porque não há ninguém distraído no celular com a atenção desviada para algum meme, uma hashtag, uma bobagem qualquer que não tem a menor importância, mas que ainda assim fazemos questão de saber.

Não é nada fácil. Deletar as contas nas redes sociais é como apagar um pouco da própria história. Não que eu me orgulhe de coisas que disse ou que postei há oito anos ou há uma semana (ou precise me lembrar delas), quando me achava engraçada, mas estava apenas sendo só vaidosa e alimentava minha alma sebosa com likes. É também um pouco a sensação de ir embora da festa quando a maioria das pessoas ainda está nela. Mas esse desejo de se libertar da escravidão da vida virtual é tão mais comum do que imaginamos que já há algumas dezenas de livros que tratam do assunto.

Jaron Lanier, autor do livro que ganhei, nos dá dez motivos para deletar nossas contas agora mesmo. Alguns bastante óbvios. Ele diz que as redes sociais nos deixam infelizes, que minam a verdade, que destroem a capacidade de empatia, que é o jeito mais fácil de resistir à insanidade dos nossos tempos, que nos faz perder o livre-arbítrio, que tornaram a política impossível. É tudo verdade, mas para mim o argumento matador é que elas estão nos transformando em babacas. Todos nós. Não sei vocês, mas eu não quero ser assim.

Nos viciamos nos mecanismos de recompensa das redes sociais e sem perceber escrevemos coisas para ganhar likes. Quanto mais likes, mais dependentes dessa máquina de moer cérebros e de inflar a soberba, que contribui para a amplificação das babaquices. Os babacas das redes sociais competem pelos comentários mais raivosos, grotescos e também mentirosos, que lhes dão poder e visibilidade, mesmo que não dure até a próxima notícia. Mas se você pensa que só o outro é babaca, Lanier diz que cada um tem um troll dentro de si e que ele se manifesta de várias formas.

Lido com trolls o tempo todo e sei do perigo que é entrar no jogo e ficar parecida com eles. Por exemplo, alguns seguidores me odeiam, mas leem todos os meus textos, acompanham meus posts, me seguem em redes sociais apenas para azucrinar a minha existência. Claro que não é privilégio meu. Basta que você diga ou escreva algo que não agrade. Tem gente que acorda e deve pensar: vou atrapalhar o andamento da humanidade, infernizar a alma de alguém, descarregar um caminhão de xingamentos, dizer coisas desagradáveis. Não sei como essas pessoas conseguem fazer isso e depois abraçar os filhos e dormir tranquilamente.

São babacas tão eficientes que são capazes de despertar a pequena babaca que habita os lugares mais sombrios e fedidos da minha alma e quando percebo estou lá com o ímpeto de dizer coisas tão horríveis que em 99% da minha existência eu seria incapaz. Dá um alívio imediato mandar tomar no meio do toba, mas é justamente isso o que eles querem, que eu caia na armadilha de me transformar na babaca que eles são. Por enquanto, entre escorregadas e dignidade refeita, antiácidos, ansiolíticos, algumas gastrites e crises de pânico, vou sobrevivendo, mas o grande perigo é deixar o caráter se degradar e ceder à barbárie. Olha que ótimo, não sou babaca, só meio surtada.

Estou sendo gentil como gostaria de ser?, Lanier pede que nos questionemos. Mas também é aquela coisa, se você em carne e osso é tão agressivo e babaca quanto nas redes sociais, o problema é você mesmo e não o seu celular ou seu computador. Se você só fica cheio de coragem escondido atrás de uma tela, você não é só um baita babaca, é muito covarde também. 

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