Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Toda mulher que se separa quer vingança?

Declaração da ex de Bolsonaro passa a impressão de que mulheres mentem e são aproveitadoras

“Não fique brava, fique com tudo”, diz Ivana Trump, no papel dela mesma no filme “O Clube das Divorciadas” (1996), que trata da vingança planejada por três amigas, abandonadas pelos ex-maridos, trocadas por mulheres mais jovens. Lembrei dessa frase divertida quando vi a entrevista da ex-mulher do deputado Jair Bolsonaro (PSL). Ana Cristina Siqueira Valle diz que mentiu sobre as ameaças e também no processo de separação, no qual afirmou que o candidato tinha imóveis não-declarados e renda de R$ 100 mil. “A gente fala besteira. Todo mundo que se casa não quer se separar. E quando se separa, há mágoas. Então a gente dá, como ele mesmo disse, umas cotoveladas.”

A ex-mulher de Jair Bolsonaro Ana Cristina Valle participa de ato em apoio ao candidato do PSL à Presidência em Resende (RJ) - Eduardo Anizelli - 17.set.2018/Folhapress

Sabe como é, não é mesmo, a gente fica magoada e mente? Entra na justiça e inventa um monte de coisas só porque está recalcada. Sabe como é, não é mesmo, qual é o problema em querer depenar o ex-marido? Levantar sobre ele acusações falsas só porque o relacionamento acabou. A gente dá umas “cotoveladas” por meio de ameaças judiciais.

Sinceramente, não sei. A fala de Ivana Trump, traída e trocada por uma mulher mais nova na vida real, é engraçada numa comédia, o gênero do filme citado. Fazia algum sentido lá nos anos 1990 quando casamento ainda era considerado para a maioria uma instituição indissolúvel e muitas mulheres preferiam ser infelizes, chifrudas e frustradas a enfrentar o divórcio e o preconceito da sociedade. Mas em 2018 ela só faz rir em esquete de humor.

A declaração da ex de Bolsonaro passa a impressão de que mulheres mentem, são aproveitadoras, vingativas, inclusive em juízo, e que isso é muito natural. Eu menti, diz ela, com a cara mais lavada do mundo. Se mentiu ou se fez algum acordo para retirar as acusações, tanto faz. Nos dois casos coloca a mulher como mesquinha e oportunista. É compreensível que no passado, quando muitas não trabalhavam, dependiam dos maridos e continuavam dependentes numa eventual separação, o instinto de sobrevivência falasse mais alto e fosse contaminado por mágoa e rancor. Nos dias de hoje, achar que deve ser sustentada pelo ex-marido depois do fim da relação é tão estranho quanto a defesa de que mulheres devem ganhar menos porque engravidam.

Das lições que recebi do meu pai a mais importante, sem dúvida, foi “não dependa de homem para nada”. Não faço ideia do que seja terminar uma história e tentar sair dela com alguma vantagem. Porque nunca precisei disso. No término de um namoro de oito anos, eu acumulava com o meu então digníssimo um Corsa comprado com nossas economias. O carro estava em meu nome. Paguei metade do valor de mercado. Somos amigos até hoje. No fim de um quase casamento de dois anos, o fulano me devia dinheiro. Fizemos um acerto para que ele me pagasse em 12 vezes. Eu queria me livrar dele, mas teve que ser em prestações. Nos dois casos, prevaleceu outro mantra: o combinado não é caro.

O feminismo, tão desdenhado pelo candidato Jair Bolsonaro e por parte de seus eleitores, é também o que divide mulheres independentes, honestas e donas de seus narizes de um lado, Ivanas e Anas Cristinas de outro. Não tem preço colocar a cabeça no travesseiro e dormir em paz por jamais ter feito o papel da ex, largada, mal-amada e vingativa. Mas o que não tem preço mesmo é jamais ter dependido de macho para pagar minhas calcinhas.

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