Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Machismo não acaba enquanto houver mulher machista

Ao apontar dedo para feministas, mulheres tentam defender seu próprio quinhão com autossabotagem

Não fosse a quantidade de mulher machista, talvez já tivéssemos um dia para celebrar o fim do machismo no mundo. Seria uma dessas efemérides em que lembraríamos dos tempos em que nossas ancestrais tinham que lidar com brucutus que acreditavam que mulher era um subtipo de humano. Olharíamos para o passado quando éramos submissas, tratadas como incapazes, julgadas pelo jeito de vestir, de falar, de agir, um tanto abismadas que pudesse ter sido real.

Restariam cada vez menos homens com essa mentalidade século 19, com a audácia de dizer o que, como e quando deveríamos nos comportar, porque não haveria mais mulheres dispostas a aceitar um mundo que não fosse de oportunidades iguais, em que as relações não fossem saudáveis, em que assédio estupro fossem práticas tão antigas quanto queimar bruxas em praça pública.

Mas isso nunca vai acontecer. Nunca nos livraremos do machismo, pelo menos não tão cedo, porque o mundo está cheio de mulheres machistas, de mulheres que julgam mulheres, de mulheres que adoram passar um paninho, de dar uma envernizada na misoginia já tão reluzente em nossa sociedade.  

Há inúmeros episódios de machismo retratados nas redes sociais todos os dias. Não me choco quando leio comentários de homens que acham que roupa curta justifica assédio e encoxada. Não me surpreende que marmanjos apontem a bebedeira de uma garota como motivo para que ela seja estuprada. Juro que meus batimentos cardíacos não se alteram quando um sujeito fala para quem quiser ouvir que mulher tem que fechar as pernas se não quer engravidar. Mas é doloroso, é de partir o coração, quando vejo que a falta total de empatia vem de outra mulher.

O machismo feminino é a autossabotagem mais nojenta e mais baixa com o qual milhares de mulheres tentam defender o seu próprio quinhão. Não é em nome de “gente do bem”, não é em nome da família, não é só ignorância. É por medo e desprezo do que a outra representa. É por absoluto egoísmo

Ao apontar o dedo para as feministas, as putas, as devassas, as oferecidas, as vadias, as que não se não dão respeito, as que não se vestem de forma adequada, as machistas se colocam como as únicas virtuosas ao cargo de mulher, de esposa, de dona de casa, de mãe. Às custas de alimentar essa rinha, apenas conseguem atirar nos próprios pés e perpetuar o machismo, que segue firme e resistente.

A desunião da classe produz também episódios em que fica evidente que a tal sororidade acaba quando a ideologia da outra mulher não é igual a minha. Fazer chacota e apedrejar publicamente a amiguinha que não pensa como eu, por mais desequilibrada que ela seja, não me parece a melhor atitude de quem na teoria vive sob o signo da hashtag “juntas somos mais fortes”. Ou estamos juntas ou não. Decidam-se.

Se entendêssemos a dimensão de tudo isso, essa doença que é o machismo talvez já tivesse sido erradicada há muito tempo. Se tivéssemos a capacidade de nos proteger acima de tudo, o mundo estaria livre dessa epidemia que nos castiga, nos aprisiona e nos mata. Mas por causa da machistinha-escrota que existe dentro de cada uma de nós, ou da ativista-hitlerzinha, que julga, que condena, que apedreja, outras gerações de mulheres ainda serão vítimas de nós mesmas.

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