Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Por que o movimento feminista precisa fugir da vitimização

Nem tudo é assédio, nem todo homem é um estuprador e, se queremos igualdade, temos que mostrar que sabemos nos defender

Não dá para dizer que ninguém esperava um efeito rebote do movimento #metoo. Amigos me contam que nunca sabem se, quando e como chegar numa mulher na balada, sem a insegurança de fazer algo que seja considerado inadequado. Por aquela mulher. Com a próxima tudo pode ser diferente. Nem sempre têm certeza de que os sinais são de “já pode beijar”.

A partir de que momento está liberado passar a mão na bunda. Ou uma resvalada marota ao lado do peitinho. Mesmo quando é só papo, ouvi gente receosa de ser enquadrada nas categorias “manterrupting” (quando o homem interrompe a mulher), “mansplanning” (quando explica algo como se só ele soubesse). Sexo? Alguns me dizem que apenas se a iniciativa partir dela.

Dificultar as relações parece uma conta relativamente baixa perto do que vem acontecendo no mercado de trabalho. Numa reportagem da Bloomberg, um consultor de gestão diz que contratar uma mulher, hoje, é “um risco desconhecido”. Essa reação tem a ver com o aumento de denúncias, impulsionadas pelo #metoo, e o efeito prático disso é que empresas de Wall Street têm adotado estratégias que podem tornar a vida das mulheres ainda mais difícil no ambiente corporativo, segundo o site. Entre as medidas adotadas pelos homens, nada de jantar com colegas, não sentar ao lado delas em viagens de negócios, pedir quartos em andares diferentes em hotéis. Chefes têm evitado reuniões a sós com subordinadas.

 
 

Não deveria ser difícil para ninguém entender a diferença entre paquera e assédio. Mas a gritaria do movimento feminista foi necessária para mostrar a muito marmanjo que encoxada no metrô e proposta de promoção em troca de boquete, além de não serem nada sedutores, se enquadram na categoria crime. 

O problema é que a barreira que separa uma relação consensual de uma forçada não parece tão clara para muitas mulheres, e acabou gerando episódios duvidosos de denúncias, principalmente nos Estados Unidos, onde o #metoo nasceu e se estabeleceu com sucesso. Parte das acusações que se revelaram infundadas mostra que existe confusão e uma certa vitimização na cabeça feminina.

No começo do ano, o relato de uma fotógrafa que se sentiu pressionada a fazer sexo com o ator e comediante Aziz Ansari mostrou que tem gente que não sabe diferenciar assédio sexual de um encontro desastroso. Na época, escrevi que aquele tipo de denúncia colocava a mulher como vulnerável, coadjuvante nas relações e não como protagonista de sua vida sexual. E que isso apenas serviria ao puritanismo dos inimigos da liberdade sexual, dos extremistas religiosos e dos verdadeiros machistas.

No final de 2017, a revista britânica Spiked publicou textos de treze feministas, entre elas jornalistas, advogadas, escritoras. Para elas, e para qualquer pessoa com dois neurônios, não há dúvida sobre a importância do #metoo. Entretanto, elas relatam a preocupação com a onda de vitimização das mulheres e da demonização do homem, que veio a reboque de um movimento tão importante e transformador.

Assédio sexual não pode ser tolerado, o problema é a tolerância zero que tem sido praticada para encarar o problema. O resultado pode ser diferente do esperado empoderamento porque estamos criando mulheres infantilizadas, apavoradas em relação a qualquer tipo de aproximação, incapazes de lidar com uma relação amorosa ou sexual, sem se sentirem sempre vulneráveis.

Abuso de poder no ambiente de trabalho não é a mesma coisa que o avanço não desejado de um coleguinha ou mesmo de um chefe. Não podemos colocar estupro no mesmo pacote que uma pegada no joelho. É um desserviço para a mulher que foi tocada e muito maior para a vítima de estupro. Estamos caminhando para que sexo seja visto como algo sujo, como uma violação, ao demonizar e criminalizar o desejo masculino.

Felizmente, a maioria das mulheres pode apontar seus dedos e ser ouvida. Girl Power é real. Por outro lado, criou-se a possibilidade de destruir qualquer homem com uma única acusação, mesmo que seja mentirosa ou apenas equivocada. A reação dos americanos, ouvidos pela Bloomberg, mostra que o caminho aberto para que haja mais igualdade no ambiente corporativo pode ser uma oportunidade perdida.

A conta dos excessos de setores do movimento feminista começou a chegar. As falsas denúncias, o vitimismo de algumas mulheres pode começar a dificultar as relações profissionais, o desenvolvimento de carreiras, apenas pelo medo que os homens passaram a ter de serem mal interpretados e acusados injustamente. Está na hora de entender que nem tudo é assédio, nem todo homem é um estuprador em potencial e, se queremos igualdade, temos que mostrar que sabemos nos defender, mas quando de fato for necessário.

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