Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Não quero ser mãe

Casais sem filhos causam indignação

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Mais difícil do que a decisão de não ter filhos é lidar com o olhar inquisidor das pessoas quando sabem da escolha feita por mim e por meu marido. Algo que era só uma suspeita foi confirmado por um trabalho feito pela pesquisadora Leslie Ashburn-Nardo, da Universidade de Indianápolis, nos Estados Unidos. A conclusão dela é o que sinto muitas das vezes que digo que não seremos pais. As reações variam. Meus interlocutores parecem incomodados, irritados, indignados, insultados, dependendo do grau de intimidade. Alguns sentem pena.

Não foi fácil chegar à conclusão de que a maternidade e a paternidade não eram as melhores opções para nós. Parece natural que um casal, que ainda por cima se ama muito, procrie. Para nós também. Ter filhos era desde sempre uma das etapas no check list da vida de qualquer pessoa, inclusive da nossa.

A partir da esquerda: a maquiadora Cida Nogueira, a cantora Karina Bur e a escritora Clara Drummond em ilustração de Ana Matsusaki
Ilustração/Ana Matsusaki

Não somos como a maioria das pessoas, descobrimos ao longo do processo de tentar seguir o mesmo script, que envolveu idas a diferentes médicos, exames, parafernálias para testar a ovulação, transar com data marcada, além de outros procedimentos médicos que agora parecem não fazer o menor sentido.

E quanto mais avançamos nas inúmeras tentativas, mais pensamos e discutimos e passamos a observar ao nosso redor para analisar se aquela experiência se encaixava em nós. Nem todo mundo pensa, de fato, sobre o assunto. Imagino que muita gente tomaria a mesma decisão se refletisse de forma prática, sem se apegar a convenções e cobranças. Então, chegou o dia em que nos perguntamos se queríamos mesmo ter um filho.

Não tenho dúvidas de que seja uma das melhores experiências da vida e que a chegada de um bebê desperte na maioria amor indescritível. Mas hoje também tenho outras certezas que só vieram quando finalmente tirei o peso da indecisão dos ombros. Falo, daqui para frente, sobre mim. Meu marido certamente tem outras convicções e nossa escolha o afeta de forma diferente.

Nunca quis ser mãe. Tenho amigas que acalentavam essa vontade e eu as olhava com inveja imaginando quando esse sentimento finalmente brotaria em meu útero e em meu coração, mas nada jamais indicou que eu tivesse qualquer vocação para a maternidade. Olha eu aqui mentindo para vocês e para mim. Mentira, jamais tive a menor inveja. O assunto nunca me comoveu, nunca me despertou nada, a não ser pavor. Por volta dos 25 anos, eu tinha uma relação feliz e estável e um namorido louco para fazer uma mini-me, o que me deixava apenas lisonjeada com a pretensa homenagem e só me fazia redobrar os cuidados para que ela não se tornasse realidade.

As desculpas foram se acumulando. Sou muito jovem. Trabalho muito. Quero viajar o mundo. Preciso morar fora. Não quero compromisso. Esse cara não será um bom pai. Esse outro é divertido, mas não serve para marido. Quem sabe depois dessa viagem?! Quem sabe depois desse projeto?! Quem sabe depois dessa meia maratona?! Quem sabe quando eu tiver dinheiro?! Quem sabe quando minha geladeira tiver mais do que água e cerveja?!

E quando finalmente eu tinha uma carreira sólida, estabilidade financeira, um marido decente com mega potencial para ser um baita parceiro e um paizão, eu continuava sem a menor vontade de preencher meus silêncios e meus espaços, de mudar minha rotina. Percebi que me cerquei de desculpas por medo de admitir e também de ser julgada porque não, não quero ser mãe.

Não engravidar em minhas várias tentativas jamais me trouxe sofrimento ou frustração. Confesso agora que em algumas vezes fiquei aliviada. Eu não me sentia pronta e jamais estarei, porque me faltam disposição e interesse, o que só recentemente passei a admitir. Tive que me olhar no espelho e dizer em voz alta, “não, não quero ser mãe”. Chorei de alívio, mas também de medo por ir, de certa forma, contra a natureza. Por que a resistência em viver algo que tantas pessoas dizem ser maravilhoso?

Bem, há muitas outras explicações, além da completa falta de dom. Não preciso ser mãe para ser completa e feliz. E ao observar as experiências alheias, vejo que ter filhos não é para todo mundo. Conheço mulheres que detestam ser mães, apesar do amor incondicional que sentem. Outras que ficaram monotemáticas e insuportáveis. Vejo mulheres que se anulam nesse novo papel. Há também aquelas que usam seus rebentos como troféus, e isso me dá engulhos no estômago. Testemunhei casamentos felizes que desabaram na primeira noite insone. Ter filhos custa caro, exige sacrifícios e nem todo mundo coloca essas coisas na balança.

Por fim, quero dizer que mulher não nasce para ser mãe, como querem nos fazer acreditar. Mulher nasce para ser o que ela quiser. Faço valer o meu direito, apesar dos olhares indignados, das críticas, da consternação. Sou feliz. Está tudo bem.

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