Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Por que o feminismo é rejeitado por tantas mulheres?

Luta tem objetivos claros, mas os caminhos para que sejam alcançados são diferentes

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“Feminismo é só uma desculpa para ser feia, gorda e peluda em paz.” Eu me deparei com a frase enquanto escrevia este texto. A declaração foi feita no Instagram por uma mulher com cerca de 25 mil seguidores. Os estereótipos descritos explicam parte do questionamento que eu e outras pessoas têm feito ultimamente. Por que o feminismo é rejeitado por tantas mulheres?

Ainda que o tema tenha se tornado assunto para reportagens, debates públicos e privados, posts em redes sociais, fica claro que a informação não tem chegado com a eficiência que deveria e provoque esse tipo de interpretação tão equivocada.

Sou feminista. Minhas bisavôs, avós, tias e mãe vivem sob o signo da igualdade de direitos e oportunidades desde muito antes de haver um rótulo para definir mulheres que lutam por essas causas. Eu me reconheço como feminista há muito tempo, mas durante um certo período evitei me identificar como uma delas. Não estou só. Há milhões de mulheres por aí que são 100% feministas, mas têm horror de levantar sua bandeira porque não se sentem representadas por alguns setores do movimento.

Há uns quatro anos escrevi um artigo neste mesmo espaço dizendo que o feminismo precisava dos homens para combater o machismo. Repito o que foi escrito na época:

 

“O feminismo precisa que cada vez mais os homens entendam que não é justo que nossos salários sejam mais baixos, que não podemos ser tratadas como objeto de consumo, se não for nosso desejo. Que entendam que as tarefas domésticas têm, sim, que ser divididas. Que a gravidez indesejada é uma responsabilidade dos dois e não apenas da mulher. Que não merecemos ter nossa intimidade exposta como forma de vingança. Que precisamos falar da descriminalização do aborto. Que a violência contra a mulher tem que acabar.

E quanto mais homens colocarem em prática os princípios da igualdade de gêneros, mais mulheres se beneficiarão disso. Ninguém muda valores arraigados em uma sociedade apenas porque quer ou porque acredita. Não adianta apenas as mulheres terem consciência de seus direitos, se não tiverem do outro lado um interlocutor que os reconheça e que nos ajude a lutar por eles também.”

Fui apedrejada por, adivinhe, outras feministas. Chamada de biscoitera e de todos aqueles adjetivos carinhosos que gente pouco aberta ao diálogo costuma usar quando se depara com alguém que tem o pensamento diferente do seu. Como se o meu feminismo fosse menos importante do que o delas. Aquele fogo-amigo desnecessário, que afasta gente que está no mesmo jogo, mas tem um estilo diferente de lançar a bola. Acabei me retraindo e deixando de lado esse tipo de pauta. Apenas tempos depois é que me dei conta de que estava errada, que não poderia me intimidar e permitir que causas caras a mim fossem sequestradas por pessoas que não me representam na forma que se manifestam.

O feminismo tem objetivos claros, mas os caminhos escolhidos para que sejam alcançados são diferentes porque as feministas não são iguais. Eu entendo isso e respeito. Infelizmente não é a regra. É aí começam os ruídos e onde a rejeição aparece.

Pode parecer estranho que em 2019 algumas pessoas ainda acreditem que as mulheres tenham menos direitos do que os homens, mas acontece. Isso explicaria por que nos deparamos com gente que se posiciona contra o feminismo, mas há outros pontos importantes que mostram por que essa conta que não fecha.

O YouGov, instituto de pesquisa de mercado, baseado no Reino Unido, descobriu que 8% dos entrevistados são favoráveis aos papéis de gênero tradicionais em que os homens trabalham e as mulheres cuidam da casa. A mesma pesquisa aponta que 80% das pessoas são favoráveis à igualdade de gênero e acham o machismo um problema na sociedade. Por outro lado, apenas 34% das mulheres se reconheceram como feministas. Por que? Vejo muitas pessoas se questionarem e é preciso que façamos isso para entender e tentar mudar esse jogo. Um bom artigo foi publicado pela BBC, assinado pela socióloga Christina Sharff, da universidade King’s College, de Londres, com pontos com os quais eu concordo, mas há ainda outras questões.

Em sua pesquisa sobre o tema, Christina Sharff aponta a falta de feminilidade como fator crucial na rejeição ao rótulo “feminista”. É claro que há um tanto de ignorância sobre o assunto entre quem faz essa associação. Mas ela é real e precisa ser combatida, tanto quanto o preconceito que existe contra as mulheres que não se encaixam em padrões de beleza que ainda ditam as regras da nossa sociedade.

Os estereótipos mostrados lá no começo do meu texto atrapalham e muito. Na cabeça de muitos antifeministas, somos feias, frustradas, mal-amadas, pouco femininas, não gostamos de maquiagem, somos contra o casamento, o trabalho doméstico, não raspamos o sovaco e mais uma montoeira de bobagens. Há feministas com uma ou outra característica assim? Claro. Mas são exceções. Exceções que fazem barulho, muito barulho, mas exceções.

O ódio aos homens é outro ponto que sempre aparece nos comentários contra o movimento. O discurso está mais brando, mas muitas vozes se levantaram e colocaram todos os homens na caixinha do machista, estuprador. O estrago causado por esse comportamento é inegável. Muitos simpatizantes, homens que são favoráveis às nossas reivindicações, acabaram criando uma barreira, se não para se colocar contra o feminismo, mas para não abraçar nossas causas como poderiam. Como escrevi lá atrás: precisamos ao nosso lado dos homens que respeitam e defendem suas mulheres, suas filhas, suas mães e suas amigas. E, com as suas atitudes, ajudem a mostrar a outros homens que o mundo pode e precisa ser mais justo e igualitário.

Chama atenção um recorte apontado por Christina Sharff. Uma em cada três pessoas das classes mais altas se define como feminista. Nas classes mais baixas essa proporção cai, apenas uma em cada cinco. Em todas as classes sociais, oito em cada dez concordam que homens e mulheres devem ter o mesmo direito. Sharff diz que esses dados mostram que as menos favorecidas apoiam o princípio do feminismo, mas não gostam do rótulo.

Impossível não entender por que isso acontece. Algumas ações do movimento podem parecer perfumaria aos olhos de mulheres mais pobres, que não enxergam luta feminista quando uma atriz branca e rica posta uma foto com o peito de fora ou o sovaco peludo nas redes sociais. Ou quando ela mesma não tem estrutura psicológica, financeira e social para denunciar o patrão por assédio porque precisa desesperadamente daquele emprego. O #metoo é um grande passo para que as mulheres se posicionem contra abusos, mas ainda é privilégio da elite feminista.

Por fim, há algo que ficou evidente no último Dia Internacional da Mulher. Nas manifestações que tomaram algumas cidades do país, junto com as reivindicações sobre a violência contra a mulher e igualdade no mercado de trabalho estavam cartazes e camisetas que exaltavam “Lula Livre”. Se alguém tinha dúvida de que as feministas de esquerda insistem em atrelar o feminismo a uma ideologia partidária, não restou dúvida. Vi relatos de gente que foi à Av. Paulista e deu meia volta quando se deparou com aquele cenário. Havia posts na internet de mulheres reclamando que a defesa do ex-presidente se sobressaiu aos interesses primários do movimento.

Há feministas de esquerda, claro, mas há as liberais, as de centro-esquerda e as de centro-direita e também de direita, que simplesmente não querem participar de um movimento e muito menos de manifestações que tragam pautas políticas com as quais não concordam. Um dos grupos criados contra o então candidato Jair Bolsonaro se dizia pluripartidário. Estava lá como observadora. Recentemente, seguidoras da página passaram a postar conteúdo em defesa do Partidos dos Trabalhadores, do Psol e do ex-presidente Lula. Algumas mulheres questionaram os rumos da página. Foram tratadas como lixo. Mulheres que estavam lá para falar sobre violência contra mulher, igualdade no mercado de trabalho, da divisão de tarefas domésticas, de direitos reprodutivos, mas foram enxotadas porque não gritam “Lula Livre”. Em defesa de um homem, mulheres são afastadas de suas causas.

Essa nova onda do feminismo não é passageira. Mas levará uma geração inteira até que as novas reivindicações sejam absorvidas pela sociedade. O movimento como um todo precisa decidir o que quer e para onde vai para não começar a patinar no mesmo lugar. Se é aplauso que muitas feministas querem, OK, podem continuar dentro de suas bolhas limpinhas com suas hashtags empoderadas, de mãos dadas com suas manas, ignorando que há uma quantidade escandalosa de outras mulheres que vem negando e difamando o movimento. Deem uma espiada. Há páginas e canais em redes sociais que passaram a se dedicar ao antifeminismo. É preciso acordar e entender que tem mais mulheres que rejeitam o feminismo e suas pautas do que as que o abraçam e disseminam. É grave e precisa ser mudado.

Discursar para convertido é fácil, difícil é mostrar que feminismo é mais do que foto com sovaco cabeludo. E nada contra sovaco cabeludo. Seu corpo, suas regras. Mesmo. Tudo contra a lacração que tomou conta do discurso e da postura de alguns grupos. O feminismo é um estilo de vida que liberta as mulheres, mas corre o risco de virar um clubinho elitista e arrogante. Se a gente quer melhorar as condições de vida de todas as mulheres, se esse é o foco, é preciso fazer com que a mensagem realmente importante chegue a mais pessoas e não só entre a nossa patota.

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