Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Rio de Janeiro Chuvas

Reféns da beleza e do caos

Realmente, não entendo por que nós, cariocas e moradores do Rio, continuamos aceitando tudo isso bovinamente

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Se você é carioca, mora no Rio ou é apenas bem informado e, nos últimos dias, não teve algum tipo de desarranjo intestinal, uma dorzinha de cabeça, não perdeu o sono ou não caiu num choro compulsivo, há alguma coisa muito errada.

As notícias sobre violência e descaso na cidade não são novidade e a maior parte das pessoas que mora por aqui vive num tal estado de torpor, que lida com bala perdida, chacina, gente pobre e esquecida, como se fossem as coisas mais banais do nosso cotidiano. Mas até a barbárie do dia a dia consegue se superar a produzir episódios como os recentes. Oitenta tiros num carro que transportava uma família e as principais autoridades do país se fingindo de paisagem? Uma cidade destruída pela chuva, dez mortos até o momento, e uma prefeitura que não gastou um centavo em medidas para que tudo não alagasse e não desmoronasse?

No próximo mês, completo sete anos de Rio de Janeiro. Você adora, não é? Eu me acostumei, digo. Cansei de explicar por que levei quase quatro anos para não ter vontade de ir embora diariamente, apesar de morar num lugar que enche os olhos da maioria das pessoas. Desisti de bancar a inconveniente ao apontar tudo o que me choca, o que não deveria se encarado como natural. Resolvi preservar os amigos que sempre se incomodam, torcem o nariz, ficam de mal, quando digo que essa cidade é uma latrina reluzente por fora e podre por dentro.

Parei. Não falo mais. Sabe como é?! Não sou daqui, não tenho lugar de fala. Sou acusada de recalque e de revanchismo, porque vim de outra cidade, considerada por muitos, pior. São Paulo. São anos driblando emocionalmente todos os problemas que deveriam agredir qualquer pessoa. Sujeira. Bagunça. Poluição. Safadeza. Corrupção. Miséria. Violência. Só o Rio tem esses problemas? Claro que não, mas aqui a desigualdade é vizinha de porta, os problemas estão todos os dias nos noticiários e a gente continua batendo palmas para o pôr do sol, numa passividade incompreensível.

Posso dizer que me rendi, me acovardei e me acostumei a lamentar a desgraça alheia, apenas pela distância emocional de um binóculo. Entendi também que, com o tempo, toda a indignação fica amortecida e vivemos como reféns da beleza e do caos que nos cerca, vítimas de algo parecido com o que é descrito em vítimas de síndrome de Estocolmo. Somos violentados todos os dias pelo poder público incompetente e criminoso, mas nos afeiçoamos demais ao ambiente ao redor tão bonito e aparentemente acolhedor. Até que ele desmorona e nos agride quando tanta gente inocente é morta como se fosse detalhe.

Por isso, hoje, quebrei meu jejum. Porque estou deprimida com a realidade e me sentindo impotente para fazer qualquer coisa que seja para mudá-la. O cantor Emicida disse segunda (8), no programa Papo de Segunda (GNT), que se o Brasil tivesse respeito pelos seus cidadãos, era para esse país estar pegando fogo. Realmente, não entendo por que nós, cariocas e moradores do Rio, continuamos aceitando tudo isso bovinamente.

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