Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Fé não cura depressão

Andar com fé é bom, mas, no caso da depressão, a fé só não falha se vier acompanhada de tarja preta

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Falar sobre depressão de forma sincera é uma atitude admirável, ainda mais quando parte de pessoas que ajudam a dar visibilidade e diminuir o preconceito em relação a uma doença que atinge milhões. De um tempo para cá, vemos cada vez mais artistas, políticos, jornalistas se despirem publicamente e admitirem suas fragilidades psicológicas. Eu mesma já escrevi nesta Folha, em 2015, sobre como uma crise de pânico me jogou no fundo de um buraco de onde só saí quase dois anos depois. 

Quarta (5), o cantor Lucas Lucco, em entrevista ao jornal, contou que pensou em parar várias vezes, resolveu descansar, diminuir o ritmo de trabalho e “só com fé conseguiu ficar bem”. Entendo que a depressão e doenças correlatas, como o pânico, são tratadas de forma individual porque afetam as pessoas de maneira única. Mas acho preocupante que a receita de Lucco se resuma a descanso e fé, sem deixar claro se teve acompanhamento médico e se usou remédios para controlar o seu quadro.

Menina sofreu bullying em diversas escolas particulares de elite em BH e foi diagnosticada com depressão
Menina sofreu bullying em diversas escolas particulares de elite em BH e foi diagnosticada com depressão - Alexandre Rezende/Folhapress

É o tipo de declaração que apenas reforça o preconceito e ajuda a enquadrar a depressão como uma doença menor, que pode ser resolvida com uma noite de sono, um banho de mar, acendendo uma vela. Interromper ou desacelerar a vida profissional nem sempre são alternativas para muitas pessoas, que temem perder seus empregos ao revelar que sofrem de distúrbios psicológicos. É o tipo de coisa que nem sempre garante qualquer tipo de melhora.

Em muitos casos pode mascarar a gravidade da situação porque o doente se ilude com a falsa promessa de melhora, que não vem assim tão facilmente. E fica com vergonha de admitir para ele e para os outros que não. Você pode dormir muitas horas seguidas, um fim de semana inteiro, fazer caminhadas, tomar banhos de rio, pegar um pouco de sol para melhorar a vitamina D, assistir a uma comédia, jantar com as melhores companhias, estar rodeado pelas pessoas que mais gosta, ter todo o tempo do mundo para fazer apenas o que dá prazer.

Mudança de estilo de vida ajuda, claro, mas o que cura depressão, ou pelo menos controla essa praga que nos deixa com a alma doente, é acompanhamento psicológico e, muitas vezes, remédio controlado. Não dá para romantizar uma doença que muitas vezes mata. Por isso, me preocupa bastante quando vejo alguém dizer que foi curado pela fé.

Ser positivo, acreditar, tentar olhar a vida com mais otimismo, ter fé, seja em si mesmo, em Buda, em Deus, no universo, tem muito valor. Nos conforta pensar que há alguma força, divina ou não, que conspira para que a gente recupere nossa sanidade mental, mas é importante que doentes, familiares, amigos, colegas de trabalho e a sociedade em geral entendam que nem reza brava tira um depressivo de dentro do buraco, sem a ajuda da medicina. 

Costumo dizer que uma vez depressivo sempre depressivo, por mais controlada que a doença esteja. Eu me sinto como um ex-alcoólatra. Estou ótima, mas não posso me descuidar. Sei que tristezas, decepções e frustrações fazem parte da vida e que depende de mim a forma como lido e encaro tudo. Mas durante um tempo os remédios foram essenciais. Me ajudaram a sair da cama durante várias semanas de tratamento.

Foram a mãozinha que precisava para encontrar equilíbrio para buscar as minhas próprias forças e andar novamente sozinha. Espero não precisar mais deles, mas fico aliviada de saber que eles existem. Andar com fé é bom, mas, nesse caso, a fé só não falha se vier acompanhada de tarja preta. 

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