Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Até fazer nada dá muito trabalho

Palavra holandesa entrou na moda para celebrar momentos em que desligamos da tomada

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Como se não bastassem todos os compromissos que não cabem na agenda, mais celular, tablet, computador, as séries que gostaria de ver e os livros que pretendo ler, li (de novo) que preciso reservar tempo para fazer nada. Mas nada mesmo.

A ideia não é nova. Há livros e mais livros sobre as maravilhas do ócio. O “nadismo”, que eu chamo de “a arte de bundar”, ganhou até clubes no final dos anos 1990. De tempos em tempos somos lembrados de que uma boa folga é necessária porque emendamos uma atividade à outra.

Desde o ano passado, uma palavrinha holandesa entrou na moda e passou a ser usada para celebrar esses momentos em que a gente desliga da tomada: Niksen. Não sei se por uma tendência dos tempos modernos de complicar tudo, mas algumas “vertentes” (sim, tem isso) dos adoradores de Niksen deram um jeito de arranjar algum tipo de trabalho para quem só queria fazer nada.

Os xiitas do Niksen dizem que dormir, comer, ouvir música, caminhar sem compromisso são consideradas ocupações e não entram na lista do “nada”.

Faz algum sentido. Para quem tem dificuldade de pregar os olhos, até dormir vira uma obrigação. Brigo com o sono desde sempre e já trafeguei entre tarja preta, respiração de ioga e método desenvolvido pelo exército americano para conseguir adormecer. Dá um baita trabalho.

Comer é outra coisa que me relaxava, mas ultimamente tenho tido muitas restrições. Porque quero perder peso, porque estou com leve intolerância à lactose, porque pretendo ser mais saudável já me peguei em pleno domingo, que é quando dá tempo, indo atrás da listinha passada pelo meu nutrólogo.

Fiquei tão estressada que cheguei em casa e abri uma cerveja, relaxei e me estressei de novo, porque cerveja tem glúten e engorda.

A vida também não ajuda. Smartphones nos deixam conectados ao trabalho 24 horas por dia, sete dias por semana. Teve uma época em que checava meus emails até de madrugada. O noticiário está presente em nossa rotina por meio de um click. As notícias chegam por meio das redes sociais, que deixaram de ser diversão e passaram a ser fóruns de debate.

Fazer nada na cultura Niksen é basicamente olhar para o vazio, apreciar o tempo passar, nada a ver com esvaziar a mente, como a meditação prega e eu acho lindo, mas já fico tensa porque cada vez que tentei meditar me peguei pensando em todos os problemas da humanidade. Tem um curso que ajuda. Eu só queria pensar em nada. Precisa de um curso? Não, obrigada. Tem também um aplicativo com 16 tipos de meditação. Passo.

Entendi que, para um bom Niksen, o ideal é um lugar tranquilo, sem muitos estímulos. Então, olhei para a varanda do quarto, vazia e abandonada, sem vida e sem uso. Resolvi transformar aquele lugar insípido, incolor e inodoro num oásis para meus momentos comigo mesma e com o prazer de fazer nada. Uma rede, umas plantinhas e o horizonte para o “nadismo”, para “Niksen myself”, para finalmente bundar e esquecer da vida. Muito simples.

Um ano depois, idas e vindas ao centro de distribuição de plantas, duas redes destruídas pelo sol, muita pesquisa para salvar buganvília, azaleias, orquídeas, cactos e mais um monte de plantas das quais não sei o nome, a frustração de não saber cultivar uma hortinha e de, apesar de toda a trabalheira, não ter o lugar ideal para não fazer nada, pensei, foda-se e abri uma cerveja.

Que alívio.

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