Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

Filme pornô é tão ficção quanto os de super-heróis

Talvez o ideal seja misturar um pouco de cada gênero para ter um enredo de sucesso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Talvez ele só quisesse causar boa primeira impressão. Mas lá pela terceira mudança de posição comecei a me incomodar com o que parecia uma maratona sexual. O repertório era vasto. Tive a sensação de que ele contava os movimentos, como numa ginástica aeróbica, antes de passar para o movimento seguinte. Quando começava a ficar animada, lá vinha o próximo contorcionismo. Porque não basta variar, tem que fazer a coreografia do Cirque du Soleil.

E ainda tinha o grand finale, acompanhado de grunhidos e urrinhos. No dia em que ele brincou de mangueirinha, espalhando felicidade pra todo lado, broxei, enquanto desviava e segurava a risada. Desisti antes que ele começasse a dar soquinhos no ar ou batesse no peito, feito Tarzan.

Contei essa mesma história na coluna sobre sexo que mantinha numa revista masculina. Lembrei-me da situação depois de ver mais um episódio de Euphoria, da HBO, uma série com elenco e temática adolescente, mas não a adolescência sonhada pela maioria dos pais. O cotidiano desses jovens tem muitas drogas e sexo. Peitos e bundas, como já estamos acostumados, mas também muitos pintos em modo ativado, como nem sempre vemos nesse tipo de produção. A editora Luciana Coelho já fez uma bela análise sobre Euphoria, na Folha. Recomendo a leitura.

O que eu quero falar mesmo é sobre o sexo retratado. Para não correr o risco de parecer uma tia velha, pularei a parte da falta de compromisso, da promiscuidade, e também não vou entrar no mérito de que em 2019 as meninas são sempre as vagabundas (really?) e os caras os garanhões. Ainda chama de garanhão o cara que come todo mundo?

Há duas personagens que chamam atenção. Uma garota gorda, que descobre todo o seu poder sexual em sites que vendem entretenimento hardcore. Outra, a namorada do garanhão da escola, aprende como se comportar na cama em filmes pornôs. É divertido, pode parecer excitante, as estrelas dos pornôs fazem cara de que realmente gostam de toda aquela ação, mas a vida não é filme, e se há um gênero que não tem nada a ver com a realidade é o de sacanagem, principalmente para as mulheres.

Mesmo que a maioria das pessoas não faça o tipo contorcionista como o que já me deparei, é inegável que esse tipo de filme pode influenciar de forma equivocada e fazer com que muita gente leve para a cama falsas expectativas. É incrível que eu tenha que dizer isso, mas mulheres comuns estão a léguas de distância das atrizes gostosonas. Além de serem sempre magras e peitudas, elas não têm um único pelo no corpo a não ser na cabeça. Brazilian wax (tudo raspado) faz muito sucesso no imaginário dos homens e pouco nas clínicas de depilação. Essas coisas explicam muito a insegurança que as pessoas sentem em transar com luzes acessas e porque ainda tem mulher que adia o sexo porque perdeu a sessão da virilha cavada.

As moças do entretenimento também estão sempre animadas, molhadas e dispostas a tudo, mesmo com preliminares muito econômicas e às vezes meio agressivas. Em 30 segundos cronometrados de sexo oral a garota tem um orgasmo —o primeiro de muitos. Na vida real, dá um trabalhão achar o clitóris, estimular a coisinha o tempo todo no lugar certo, sem que a parceira pareça um flanelinha: “Mais pra direita, mais pra esquerda, mais rápido, meeeeenos...”.

Você pode sentir o maior orgulho do seu pinto, mas não espere uma salva de palmas quando ficar pelado com uma ereção. No pornô, quanto maior, melhor. A atriz olha e fala: “Nossa, como você é enorme!”. Pinto com essas dimensões está longe de ser unanimidade entre as mulheres. Sem falar que você corre o risco de encontrar alguém que não te ache essa Coca-Cola toda. Sem falar do constrangimento da exibição.

Há várias outras coisas que parecem não apenas simples como prazerosas quando assistimos a um pornô. Sexo anal, por exemplo. Atrizes fazem cara de quem ganhou um cartão de crédito ilimitado, quando na realidade tem mulher que não faria nem se fosse paga. Apenas uma em cada três vai experimentar sexo anal na vida e a maioria não repetirá a dose.

Outra fixação que muitos homens parecem ter é o momento do orgasmo. “Todos os caras com quem me relacionei vez ou outra pediam para ejucular no meu rosto. Não sei qual é a graça”, diz uma leitora. A graça, segundo especialistas, é a sensação de poder. Alguns compram motos barulhentas, outros querem gozar na cara das moças. Sugiro um psicólogo.

Eu sei, nem sempre é fácil achar equilíbrio entre o que homens e mulheres querem. E isso não significa que sexo para nós tenha que parecer uma comédia romântica. Talvez o ideal seja misturar um pouco de cada gênero para ter um enredo de sucesso.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.