Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

Por trás do fim dos likes do Instagram

Tem caroço nesse angu e ele se chama decadência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quanto zelo do Instagram, preocupado com a saúde mental de um monte de gente abilolada, dependente de likes, como se fosse droga. Cada like é uma baforada e a certeza de que só o próximo para evitar crises de abstinência de biscoitagem (gíria para atenção nas redes). Acreditaria nas boas intenções da empresa, se ela tivesse feito alguma coisa para coibir os mesmos abilolados de comprar seguidores e likes e, assim, não ter contribuído para que o ambiente hoje fosse dominado por gente carente, vaidosa, sensacionalista e puxa-saco. 

Tem caroço nesse angu e ele se chama decadência. Fotos de gente com brancorexia, aquela obsessão por dentes brancos de que sofrem 10 entre 10 influenciadores (nome chique para chamar blogueiro), já não fazem mais tanto sucesso. Seguidores estão cada vez menos dispostos a mexer o dedinho para dar like no look do dia, na make perfeita, na bunda na nuca, no suco de luz, no cabelo lavado com vinagre, na comida ostentação, na volta ao mundo dormindo no sofá dos outros.

Não sou eu quem diz isso, mas os números. O engajamento com postagens de influenciador no Instagram está perto do mais baixo de todos os tempos. A Mobile Market, empresa de análise de influenciadores, diz que a interação com posts não-pagos caiu para menos de 2% no primeiro trimestre de 2019. Eram 4,5% no mesmo período, em 2016.

O Instagram deixou de mostrar a contagem de likes no Brasil
O Instagram deixou de mostrar a contagem de likes no Brasil - Loic Venance/AFP

Há muito tempo deixei de seguir influenciadores. No início dessa moda, adorava as fotos perfeitinhas desse mundo em que todo mundo sorri muito branco e peida cor-de-rosa. Achava mesmo que teria inspiração para fazer tudo melhor, comer, me vestir, malhar e, claro, ser uma pessoa mais iluminada. Tudo o que consegui foi humilhação e culpa por não ter tempo e muito menos grana para acompanhar o “lifestyles” das mocinhas. 

Às 9h da manhã você se arrasta da cama e a musa fitness já tomou suco verde, fez aula no parque com os mahamudra, correu 10k, comeu batata doce com chia, enquanto você sua para encarar o primeiro dos três frilas do dia para pagar os boletos. A mochileira influencer posta uma foto num spa na Índia em plena terça-feira, e você lá separando as calcinhas coloridas das brancas para tacar na máquina de lavar. Nada contra quem frequenta spas, mas no mês passado ela estava esquiando no Chile e no anterior colhia lavandas na Provence. Não tenho nem roupa para andar com essa gente. 

Já disse e repito: o dia dessas pessoas consiste em ir ao cabeleireiro, ao massagista, ao acupunturista, provar roupas, tirar fotos, gravar stories, desfilar todos os dias um tênis novo, uma bolsa cara, um vestido must have, comer em restaurantes estrelados, viajar first class, frequentar festas badaladas, hospedar-se em lugares que você jamais passará nem na porta, filosofar sobre a vida, distribuir dicas de autoajuda e ainda dar uma choramingada para mostrar como a vida é dura, mas é mara.

O resultado é que cada vez menos gente tem interesse em acompanhar essa vida-ostentação que tem zero chance de ser replicada por quem almoça com vale-refeição e parcela as férias em 12 vezes. O Instagram sacou isso e acabou com os likes, que se tornaram obsoletos para medir engajamento, mas também prova desse declínio. Quer privilegiar, dizem, conteúdo de qualidade e menos bocas, bundas e selfies, ainda que tudo isso continue lá. 

As blogueiras, ops, influenciadoras mais espertas andam diversificando as postagens, em busca do filão caça-cliques do momento. Por exemplo, saem as musas fitness, entram as defensoras da beleza possível. Sai a barriga negativa, entra a pancinha real. Mas até isso já começou a ficar cansativo. Todo dia tem alguém novo dizendo que tá tudo bem ser imperfeito, quase sempre com muitas doses de sofrimento por trás dessa incrível descoberta. 

Por essas e outras, passei a seguir gente que recicla lixo, usa canudo de metal, abraça árvore e dá bom dia para o sol. Um tipo xarope inofensivo com o qual passei a me identificar, que pelo menos finge querer salvar tartarugas e não a própria alma sebosa. Para esses distribuo likes com gosto.  

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.