Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Só a música salva

Rock in Rio é um festival eclético, mas pode provocar um choque de realidade entre gerações

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Não é a dor na lombar. Não são os fios de cabelos branco que teimam em aparecer por mais que eu os arranque. Não são os óculos de grau espalhados, um na bolsa, um na cabeceira da cama, outro na mesa do escritório, afinal, a memória já não me ajuda a lembrar onde os deixei. Também não é o plano de saúde que me deixa de fato doente a cada fatura paga. O choque de realidade com a idade é o Rock in Rio.

Para começar o line up. E é bom que você fale line up porque jovem que é jovem já matou o português, mesmo aquele jovem com inglês nível “embaixador”, e vai te achar no mínimo esquisito se você perguntar quais são as atrações do festival.

Chego felizinha ao local do evento. Pessoas lotam a frente do placo ainda vazio, parecem ansiosas, mas pode ser só euforia típica da pouca idade. Deve ser alguém famoso, tamanho frenesi. Desde quando falo frenesi? Só véio fala frenesi. Tamanha agitação. Melhor. Um mocinho entra no palco. Mocinho? Minha mãe deve ter me abduzido.

Show do cantor Charlie Puth, no palco Sunset, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio
Show do cantor Charlie Puth, no palco Sunset, durante o terceiro dia do segundo final de semana do festival Rock in Rio - 05.out.2019 - Eduardo Anizelli/Folhapress

Finalmente, entra um cara no palco, que eu não faço a menor ideia de quem seja, mas prefiro acreditar que a distância me impeça de reconhecer. O primeiro acorde da música, as pessoas gritam. Vem a letra, todos cantam juntos. Olho ao redor com desespero e a única pessoa que parece tão perdida quanto eu é meu marido, que também tem alguns muitos anos a mais do que todos a nossa volta.

Não é que eu não soubesse a letra, que não me recordasse do refrão. Eu nunca tinha ouvido aquela música na vida. Nem a seguinte, que todos também cantaram. Tentei usar o Shazam, o app que nos salva quando reconhecemos uma música, mas a memória nos trai.

Shazan deve ter ficado mais desorientado do que eu e não conseguiu cumprir seu papel. Vencida, pergunto a uma garota quem era o mocinho que fazia tanto sucesso com a plateia. Charlie Puth. Pois é, prazer.

Como isso acontece? Um dia você fica com preguiça de sair para dançar. Depois vem mais outro e mais outro. E quando se dá conta, já trocou a noitada pelo Netflix e pelo sofá. O uísque pelo vinho. A saia curtinha por um moletom velho. O x-bacon, às 5h da manhã, por omeprazol antes do café. A música vai mudando, o tempo passa, a playlist não se renova e quando se dá conta, sua versão balada parou lá em 2012.

Quando Black Eyed Peas entrou no palco, pensei, agora mato no peito. Canta daqui, canta dali. Hey ooooooh Hey aaaaaaahh Dá uma abaixadinha daqui, uma acolá, mais uma reboladinha, ombrinho para cá, ombrinho para lá. Ahhh que delícia ser jovem. E no terceiro joelhinho flexionado, três dias de anti-inflamatório. Reconheço a música, com quem o corpo já não tem mais muita intimidade.

Charlie Puth talvez não dure uma década, não volte ao Rock In Rio quando estiver coroa como tantos outros de bandas com mais história e folego. A música é bobinha, gostosinha, gruda na orelha. E dá pra entender por que tanta gritaria.

O mocinho é do tipo que a gente apresentaria para a mãe, mesmo que quisesse de verdade casar com o Anthony Kiedis. Se você não sabe quem é, ouça How Long para não ficar tão por fora. Só não recomendo dançar até chão, se a lombar for tão velha quanto os seus, e os meus, gostos musicais.

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