Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

A arte de deixar para depois o que precisa ser feito... ontem

É uma mistura de indecisão, insegurança, falta de concentração, gatos fofinhos e procrastinação

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Se você está lendo este texto agora, saiba que meu prazo era ontem, mais conhecido como segunda-feira. Mais precisamente à noite. Vá lá, terça, pela manhã. Para desespero da Luciana Coelho, editora de Cotidiano, eu tenho falhado miseravelmente semana, sim, e, às vezes, a seguinte também.

Com atraso, minhas mal traçadas linhas ainda recebem o olhar atento dela e da equipe, o que me salva sempre de fugir dos padrões gramaticais estabelecidos pelo jornal, de comer ou abusar de vírgulas, de um ou mais erros de concordância, essas derrapadas que cometemos porque a pressa é inimiga do português. 
 
Não é desleixo ou falta de interesse. É uma mistura de indecisão sobre o tema, insegurança sobre como escrever, falta de concentração crônica, gatos fofinhos e, claro, o maior inimigo de pessoas que têm prazo: procrastinação. O tormento começa já no final de semana. Quero temas mais leves, que fujam dessa lama que virou o noticiário. 

Louça suja acumulada para ser lavada
Louça suja acumulada para ser lavada - Eduardo Knapp/Folhapress

Busco inspiração em uma amiga que deixou São Paulo para trás, rumo a Pirenópolis, disse que quer uma vida besta. Passei um fim de semana por lá, achei tudo lindo. Queria ter uma vida besta por aqui, o que numa cidade como o Rio de Janeiro, com essa natureza exuberante, parece fácil. Vou escrever sobre ter uma vida besta. O que atrapalha é que sempre tem alguém que morre com uma bala perdida.

Já não sou mais xingada por dizer que “a vida é muito curta para morar no Rio”, mas se nem mais os cariocas de alma ou importados têm conseguido dizer coisas poéticas, como o cheiro do algodão doce nos finais de tarde em Copacabana, imagine eu.  

É aí que a coisa desanda. Me levanto para fazer um café e dar uma espairecida, na esperança de que a criatividade brote. Quando a inspiração falhar, mude o foco. Leia um livro, veja um trecho de uma série, já me aconselharam. Não consigo. A culpa por ter prazos vencidos é inimiga do processo criativo. Eu atraso, mas é com sofrimento. 

Resolvo me penitenciar. Encaro uma louça que, de verdade, pode trazer lampejos de lucidez. Algumas das decisões mais importantes da vida já tomei areando panela, mas, ideia para escrever uma crônica leve, jamais ocorreu com as mãos cheias de detergente. A pia brilha tanto que, orgulhosa, quase tiro uma foto para postar no Instagram. Uma hora virou duas, segunda já é terça. 

No caminho de volta ao escritório encontro um gato. Vou lá atrapalhar o sono do pobre e alimentar minha carência afetiva. Aliso o gato, aperto o gato, fungo na barriga do gato. Deixo o gato bem puto. Não satisfeita, faço a mesma coisa com o outro. 

Encaro a tela e penso, agora vai. Escrevo uma linha, apago. Tem uma pilha de trabalho me esperando depois desse. Escrevo mais uma... não, acho melhor não. O celular pisca, tento ignorar. Quando percebo, já compartilhei vários memes no WhatsApp, tretei com pessoas desconhecidas no Twitter, roí algumas unhas e, para não perder a viagem ao celular que deveria estar bem longe de mim, fiz uma limpa nos meus emails, chequei a entrega de uma estante, marquei dentista, cancelei um jantar e agora estou aqui comprando almofadas na Black Friday. 

Alguém me salva, por favor.

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