Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

A mesma roupa toda segunda-feira

Não é novidade para ninguém que jornalistas mulheres quando são atacadas o alvo é sempre sua aparência física, seu estado civil e sua sexualidade

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Repeti a mesma roupa todas as segundas-feiras dos últimos dois meses, no programa do qual participo no YouTube, o Segunda Chamada, do MyNews. Antes disso, vinha intercalando o mesmo macacão preto com azul escuro com outras poucas peças. A mesma calça e variações de algumas blusas. Resolvi fazer essa experiência depois que recebi uma crítica justamente por me vestir da mesma forma vezes seguidas.

Lembrei-me de experiências contadas por jornalistas estrangeiros, todos homens, sobre a repetição dos trajes. Um deles, o apresentador australiano Karl Stefanovic, contou depois de um ano que havia usado o mesmo terno sem que alguém tivesse notado. Detalhe, o programa era diário. Todos os dias, o cara estava em frente às câmeras com seu terno cinza e ninguém jamais percebeu —ou se importou. Stefanovic disse que fez isso em apoio à colega que recebia regularmente críticas de espectadores e da imprensa em relação às roupas que escolhia. "As mulheres são julgadas de forma muito mais severa e profunda pelo que fazem, pelo que dizem e pelo que vestem", afirmou o apresentador.

Mulher tira peças de seu guarda-roupa
Mulher tira peças de seu guarda-roupa - Fotolia

Ele tem razão. Não é novidade para ninguém que jornalistas mulheres quando são atacadas o alvo é sempre sua aparência física, seu estado civil e sua sexualidade. Não importa se o assunto seja energia nuclear ou política internacional. Se a opinião não agrada, a mulher é sempre a porca, a vadia, a encalhada. Tenho uma coleção de impropérios sobre como sou mal-amada, recalcada, velha e já fui chamada de sapatão, como se isso fosse um xingamento. Apenas não entendi até hoje a relação entre ser sapatão e um texto sobre urnas eletrônicas.

No dia em que li a crítica sobre estar com a mesma roupa fiquei incomodada, mas depois pensei, por que não? Não fui convidada para participar do programa por causa do meu guarda-roupa, nunca trabalhei com moda, sou zero referência, não vivo e não me alimento desse universo, apesar de gostar do tema e de fazer umas comprinhas de vez em sempre. Mas investir em roupas para passear é uma coisa, a outra é ter que variar o guarda-roupa para satisfazer a audiência.

Nunca vi o mesmo tipo de julgamento em relação aos meus colegas de programa. Com exceção do jornalista Pedro Doria, que causa furor positivo com suas meias coloridas e chamativas. A audiência ama, mas ele está sempre de calça jeans, camisa e blazer. Uma provocação: quem pode afirmar que não são as mesmas peças?

Havia outra questão. Escolher roupas que tenham bom caimento e fiquem bem num programa em que passo o tempo todo sentada era outro problema. Muitas vezes, em casa, em frente ao espelho, eu ficava apresentável. Mas ao sentar na poltrona que ocupo, a peça acabava me deixando com uma pancinha, com os ombros caídos, ficava curta demais ou muito justa. O resultado no vídeo era sempre uma surpresa, muitas vezes uma surpresa desagradável.

Stefanovic está certo, sou sempre mais julgada que meus colegas homens pelo que faço, pelo que digo, pelo que visto. Darei um exemplo simples: muitas vezes sou interrompida por colegas e por convidados. Em geral, não me incomodo, acho que é do jogo e aprendi a me impor, depois de ter me irritado muito. Mas se sou eu a atravessar a fala de alguém, seja porque preciso fazer uma observação, corrigir um dado, incluir uma pergunta, sou massacrada.

Então, resolvi diminuir as possibilidades de crítica, pelo menos no que diz respeito a roupa. Escolhi algo que veste bem, é confortável, tem cor neutra e não me tira o sono aos domingos. A peça, claro, é lavada e eu vario o top, os brincos e as sandálias. Instituí a “Segunda-Feira Steve Jobs”, em alusão ao fundador da Apple, que vestia rigorosamente a mesma coisa todos os dias: calça jeans, tênis e camiseta preta de manga longa. Os comentários sobre a minha aparência, se não acabaram, diminuíram. É triste constatar que meus maiores algozes nesse sentido sempre são mulheres, exatamente as mais são cobradas. Por que fazemos isso?

Já penso em aposentar o modelo 2019 e encontrar um novo para o primeiro semestre de 2020. Também avalio trocar as sandálias por sapatos fechados. Descobri que existe um tipo de tarado (alguns) que só assiste ao programa para ver meus pés, enquanto estou muito concentrada em criticar o ministro da (des)educação. Tem doido para tudo.

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