Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Folha, 100

As histórias que a Folha não conta

No número 425 da Barão de Limeira, nasceram amizades, romances, términos, celebrações, filhos

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No número 425 da Barão de Limeira, nos Campos Elíseos, acontece muita coisa. Os leitores só conhecem o que vai parar nas páginas do jornal. Mas naquele prédio, enquanto se escreve sobre os acontecimentos do país, nascem amizades, romances, términos, celebrações, filhos. São histórias que a Folha não conta, mas que revelariam um pouco da alma de um lugar cheio de jornalistas.

Hoje, no dia em que a Folha completa 100 anos, leio depoimentos de colegas e de outras dezenas de profissionais que passaram pela redação do jornal mais importante do país. As lembranças das reportagens, dos furos, das viagens, das horas intermináveis de trabalho se confundem com as memórias íntimas de cada um de nós que passou alguns de nossos melhores anos de vida na Barão de Limeira.

Parte dos 100 anos da Folha são nossos também, dos profissionais que ajudaram a escrever todas aquelas páginas. Cada um de nós lembra onde estava, o que fazia, com quem convivia, o corte de cabelo que usava, as músicas que curtia, os bares que frequentava em suas passagens pela Folha. Só eu acumulo quatro, mas a mais marcante foi o período entre 1999 e 2003. E 2001, particularmente, foi um ano inesquecível. Tão marcante que Caetano Veloso, ao se despedir na live que fez no Natal, desejou um Feliz 2001. Foi muito bom, Caetano. Também achei.

Eu morava em São Paulo, num apartamento perto do parque Ibirapuera, onde corria todas as manhãs, antes de ir para o trabalho. Sim, na Barão de Limeira, 425. Dirigia um Corsa branco sem ar-condicionado, o que me fazia fechar o vidro sempre que parava num sinal, com medo de assalto. Disse que foi um ano inesquecível, não que foi perfeito.

Tinha 29 anos, 14 quilos a menos do que hoje, estava solteira depois de um relacionamento de oito anos. Se alguém um dia disse que Nova York é a cidade que nunca dorme, não conheceu São Paulo. Posso garantir porque eu não dormia junto. A mágica de trabalhar, sair, emendar trabalho e sair de novo e ainda ter colágeno é a que eu mais lamento ter perdido a habilidade quando a juventude começou a dar adeus.

Duvido que houvesse alguém mais feliz do que eu no mundo. Quantas pessoas conseguem realizar o sonho de trabalhar no lugar que motivou sua escolha profissional? Um trabalho que ainda te leva a lugares onde você jamais imaginou estar e a experimentar tudo o que uma alma despirocada adoraria fazer. Consegue se imaginar dentro de um navio no Alasca quando caíram as Torres Gêmeas e o espaço aéreo americano ficou fechado? Eu estava lá, sem internet, achando que era a Terceira Guerra Mundial e que eu nunca mais veria minha família. E que tal embarcar num veleiro na África do Sul, cair de amores por um entrevistado e quase largar tudo para morar na Nova Zelândia? Aconteceu. A reportagem sobre a competição saiu, mas não contei sobre o romance que durou um ano.

Aprendemos muito cedo que não somos notícia, apenas quando nos tornamos cronistas e personagens de nós mesmos. Divido algumas memórias que confundem trabalho e esfera privada, porque são situações que acontecem todos os dias quando um repórter pega seu bloquinho e entra num carro de reportagem a caminho de uma nova história.

Jornalistas aprendem a ter distanciamento para relatar os fatos, mas entre uma entrevista e outra, a gincana da vida continua a acontecer. Entre uma apuração e a conversa com uma fonte, os filhos ligam, casamentos são desfeitos, perdemos pessoas, vencemos doenças, colegas são demitidos, estreitamos relações na hora do café ou em torno de uma cerveja num pé sujo perto do trabalho. Isso acontece, claro, em outras profissões, em outras empresas. Mas a Folha é um desses lugares em que os laços e as memórias dificilmente são desfeitos.

O 425 da Barão de Limeira não é só o endereço do maior jornal que escreve a história do país, mas também o palco de parte da existência de cada um dos profissionais que passou por lá.

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