Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Novo hobby: ver gente ser vacinada

As notícias que mais me seduzem são aquelas que mostram postos ao redor do mundo com uma espécie de open bar de vacina

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A mulher de uns 70 e poucos anos oferece o braço no drive in da vacinação. A enfermeira dá as orientações, mostra a seringa carregada, esvazia o conteúdo no alvo, quando, então, ouve a pergunta: agora já posso transar? Todos ao redor gargalham. Eu também. Assisti ao vídeo umas dez vezes, incluindo o trecho em que a paciente diz que ainda vai demorar (para transar) porque os rapazinhos de que gosta ainda estão longe do dia de receberem a imunização.

Meu novo hobby: ver gente ser vacinada. Vê-las sorrir. O riso é também uma comemoração. E os algoritmos já entenderam o recente interesse. Sou abastecida com imagens de quem se emociona, chora, agradece, sofre, sente medo, faz piada, mas acima de tudo parece muito aliviado por ter alcançado o bote salva-vidas no meio de uma tempestade no mar.

Enquanto as notícias me fazem mergulhar no horror da nossa realidade, os vídeos com os roteiros adaptados às idiossincrasias de cada pessoa, que passa por um posto de vacinação, são uma dose de morfina na minha desesperança. Sinto vontade de abraçar o desconhecido e comemorar o momento como quem celebra uma final de Copa do Mundo, afinal, a vitória é de todos.

Comecei a chorar pela boa saúde alheia, em dezembro, quando uma senhora de 90 anos foi vacinada, na Inglaterra. Me emocionei como se o homem tivesse acabado de pisar na lua. Não parei mais. Meus influenciadores preferidos são, hoje, os coroas que arregaçam as mangas para receber uma picada. Avós e pais de amigos, de colegas de trabalho, de desconhecidos. Se ainda não sabia o que era ficar feliz pelos outros, agora sei.

As notícias que mais me seduzem são aquelas que mostram postos ao redor do mundo com uma espécie de open bar de vacina. Um dia você é jovem e fica felizão porque a festa oferece cerveja, uísque e gim, à vontade. Atualmente, o sonho seria entrar numa farmácia e escolher entre Pfizer, Moderna, Coronavac, Sputnik etc.

O ritual da vacinação virou também uma celebração familiar. Filhos, muitas vezes, afastados de seus pais, receosos por sua saúde, fazem questão de acompanhá-los e testemunhar o momento de semi-libertação. Se há registros de genuína felicidade entre parentes na internet, não tenho dúvida que são estes.

Então, chegou a minha vez. Não vejo meus pais há mais de um ano. No começo da pandemia tive que ameaçá-los para que entendessem a gravidade da situação: vocês querem morrer? Na hora, me achei meio dramática, mas hoje vejo que pensar em contratar um segurança para proibi-los de sair não foi exagero.

Mal dormi na noite da última sexta para sábado. Não sei mais o que é não dormir depois de descobrir que havia remédios para isso. Mas o medo de não acordar em tempo, e perder os detalhes do dia mais feliz em um ano de pandemia, me fez passar a noite entre um cochilo e uma olhada no relógio.

Minha mãe ignorou solenemente as minhas mensagens, que questionava se eles já tinham acordado, tomado banho, comido alguma coisa no café, vai que a vacina dá uma tontura, se iam de carro, talvez fosse melhor não dirigir, vai que dá uma tontura. Uma hora depois do horário marcado, ela compartilha no grupo da família fotos dela e de meu pai no momento da vacinação. E eu começo o interrogatório. Doeu? Tá tudo bem? Como vocês estão? Voltem para casa, é só a primeira dose. Ela responde com uma figurinha animada de um jacaré dançando.

Chorei de alívio.

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