Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Coronavírus

Mortos e escombros

Aos poucos, a impressão é que a pandemia ganha menos espaço nas conversas e também nas preocupações

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A realidade sempre se impõe, não é mesmo? Quem ainda acompanha o noticiário sobre os números da pandemia deve ter visto que algumas cidades já não registram mortes pela Covid. Prefeitos avaliam dispensar a obrigatoriedade do uso de máscaras, a realização de grandes eventos como Réveillon e Carnaval. Fala-se em caos aéreo no fim do ano, pousadas cheias e caras, férias, verão. As ruas voltaram a ficar cheias a qualquer hora do dia ou da noite.

Aos poucos, a impressão é que a pandemia ganha menos espaço nas conversas e também nas preocupações. E não falo da parcela importante de negacionistas, que boicotou medidas sanitárias e deram de ombros para quem morreu, mas de gente como eu e como você, que chorou as nossas e a desgraça de milhares de famílias desconhecidas. Não sabemos os nomes, não conhecemos os rostos, mas sofremos um pouco todos os dias por gente que se foi, pelo sofrimento de quem ficou, pela infelicidade coletiva.

Sepultamento no cemitério de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo - Rivaldo Gomes - 20.ago.2021/Folhapress

Hoje, fiz ioga assim que acordei, comprei um vestido novo, fiz planos de rever uma amiga no feriado. Só, então, li as notícias. Como eu disse, a realidade sempre se impõe. E a realidade é que o Brasil chega a 600 mil mortos. A realidade também é que a comoção diante de tanta morte parece menor do que quando registramos 10 mil, 100 mil, 500 mil vidas perdidas.

Não imagino que a maior parte da população que se indignou e se solidarizou com tantas perdas ao longo da crise sanitária tenha endurecido os sentimentos em relação aos outros. Também não acho que seja indiferença. Talvez a autopreservação tenha começado a falar mais alto. Pessoas perderam pessoas, trabalho, casa, sanidade mental. Estamos destroçados. Ignorar que ainda vivemos uma tragédia pode aliviar as dores particulares, mas não significa que a devastação coletiva que nos aflige esteja perto do fim. E para centenas de milhares de pessoas esse fim nunca chegará. “A pandemia nunca vai acabar para quem perdeu um ente querido”, disse Crioulo sobre a irmã, numa entrevista.

A vacina, que poderia ter poupado milhares, se tivesse chegado mais cedo, também virou o bote psicológico no qual nos agarramos para retomar aquilo que nos foi poupada, a vida. Assim, um pouco anestesiados pela sensação de proteção, desprezamos o fato de que estamos rodeados de mortos e escombros.

O país deveria estar em luto. Mas para a maioria, vida que segue.

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