Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Aval de poder sair mais de casa destravou em mim o modo 'inimiga do fim'

Quando saio, e ainda são poucas vezes, não quero mais voltar para casa

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Com alguns amigos tenho há tempos um grupo chamado "inimigos do fim". Reúne aquele pessoal que só vai embora do bar, do restaurante, da festa de casamento, do batizado, quando o garçom coloca as cadeiras em cima das mesas.

Meus pais reclamavam que eu voltava para casa porque tinha apenas essa alternativa e ficou ainda pior quando ganhei independência e não precisei mais entrar na ponta dos pés e me enfiar de roupa e tudo embaixo das cobertas sem ter que ouvir de novo "trouxe o pão?", dada a avançada hora da manhã.

O "inimigos do fim" estava inativo desde que lamber o meio fio antes de voltar para casa passou a ser considerado não apenas inapropriado, mas também trouxe risco de morte. Com vacina e o aval de poder sair mais de casa, percebi que o medo de ficar trancada novamente destravou em mim o modo "inimiga do fim". Foi assim no único dia que deu praia em outubro, aqui por essas bandas do Rio. Só fui embora quando o sol se pôs, emendei um almojanta com meus parceiros de "deixa a vida me levar" e não estiquei a programação porque a lombar me impediu. A sede de viver é de 20 anos, o ciático é de 60.

Feriadão na praia de Copacabana
Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, durante feriado da Proclamação da República - Gabriel de Paiva - 15.nov.2021/Agência O Globo

Quando saio, e ainda são poucas vezes, não quero mais voltar para casa. No fim de um jantarzinho despretensioso com meu marido, encontrei duas amigas que não via desde antes da pandemia. Fechamos três bares no baixo Gávea, um dos redutos da boemia carioca. Não satisfeitas, na hora de encerrar a noite, vimos uma turma animada dançando na praça Santos Dumont, ao som de acordeom e pandeiro. Chovia. Mas o que é uma chuva para quem ainda tem medo de morrer de Covid-19?

Outro dia, foi na casa de uma celebridade. Era um jantar de confraternização por causa de um trabalho. Esqueci totalmente a regrinha básica de beber pouco, falar pouco e ir embora cedo em eventos dessa natureza. Hipnotizada por meu ídolo, pela conversa interessantíssima e pelo ótimo vinho, quando a maioria já estava com os pés na porta, tratei de aceitar quando a anfitriã se ofereceu para abrir mais uma garrafa. Se fosse um emoji, no dia seguinte teria acordado com aquela carinha de "vergonha".

As notícias de que países da Europa começam a restringir circulação e atividades por causa de uma quarta onda de Covid-19 confirmam o que já sabemos: a pandemia não acabou. Mas o Brasil está fazendo bonito, apesar do Boicotador Geral da República, a vacinação avança e, se as coisas não saírem do controle e com a população imunizada anualmente, tudo aponta para que tenhamos que conviver com mais uma doença sazonal que pode ser controlada.

Enquanto isso não se confirma, sigo no modo "inimiga do fim". Até os gatos já perceberam e estranham meus sumiços. Na semana passada, marquei uma japinha, numa rua que ganhou vários restaurantes com mesas nas calçadas, iluminação especial, árvores adornadas por orquídeas. Um charme que nunca vi nem em tempos pré-pandêmicos. No fim da noite, sobrou apenas a mesa que eu ocupava com cúmplices. Tomamos a quinta "saideira" na esquina de casa. Mas havia um McDonald’s na outra esquina. Quase três da manhã e eu consumindo gordura saturada feito uma adolescente que nunca ouviu falar em colesterol. A vida é uma coisa fantástica.

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