Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Os influenciadores isentões

Na prática, é só um jeito de conseguir muito engajamento sem correr o risco de ser cancelado por desagradar a A ou B

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Há um fenômeno interessante nas redes sociais. Os influenciadores isentões. Talvez não seja novidade para ninguém e eu seja só a tia atrasada do rolê. Talvez todo mundo ache que a vida é assim, mas quando percebi a mutreta, achei muito esperto e, também, bastante desonesto.

São celebridades e perfis que ganharam projeção com fofocas do meio artístico, cobertura sobre a programação de TV, que hoje abrange o streaming, alguns com comentários bem-humorados e, muitas vezes, críticas bastante ácidas. Eu passei a seguir algumas dessas páginas, que muitas vezes nem rosto tem, por causa do humor e das sacadas geniais para zombar da vida e de gente famosa. De uns tempos para cá, parecem ter perdido a verve e a aposta passou a ser a neutralidade. Viraram as "Sonia Abrão" sem opinião.

Logotipos das Redes sociais
Pixabay

Não foi de cara que percebi a repetição do mesmo padrão. Foto ou vídeo postados não vêm mais com uma legenda opinativa, mas com a descrição do episódio —às vezes, nem isso, e uma pergunta: "o que vocês acharam disso?", "qual dos dois está certo?", "fulano tem razão?" Quem está distraído pode até pensar que a boa alma, que quase sempre tem milhões de seguidores, quer dar voz ao seguidor, abrir espaço para que todos deem sua opinião, democratizar o debate.

Na prática, é só um jeito de conseguir muito engajamento sem expor a própria opinião, sem fazer nenhum esforço de reflexão, sem correr o risco de ser cancelado por desagradar a A ou B. Muitos desses perfis romperam a barreira do assunto entretenimento e tem também conteúdo político. Quem resiste, não é mesmo? Parece que se você não falar de política nos dias de hoje, você nem existe. Mas como falar do assunto sem espantar a audiência que só estava ali porque quer ver as tretas sobre o BBB ou a Juma virar onça? Posando de isentão.

Se fosse só a infantilização do "debate" no campo do entretenimento, já seria um sinal claro da imbecilização da sociedade, mas é muito pior. Como a política virou pauta de páginas e de influenciadores nesse ecossistema da fofoca, é comum dar de cara com o seguinte conteúdo: "Você acha que Lula vai ganhar a eleição?" ou "Bolsonaro se elege no primeiro turno?", além de posts de celebridades que se manifestam politicamente.

É o tipo de coisa que aparece na mesma página que acabou de perguntar "vocês estão curtindo a reviravolta da Maria Bruaca?" (personagem da novela "Pantanal"). Trata-se de uma manipulação aparentemente inocente, mas basta ver o que acontece na caixa de comentários. Cada post que divide opiniões se transforma numa arena com xingamentos, emojis de vômito, militância inflamada. E o isentão, que administra aquele conteúdo, só observa de camarote sem sofrer um arranhão.

A apropriação da política por páginas e influenciadores que vivem da fofoca foi batizada de "fofocariado político" pelo professor Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos Sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). No começo de abril, em reportagem da Folha, ele falou do impacto que isso pode ter nas candidaturas.

Não tenho dúvida de que as redes sociais vão ditar novamente o resultado das eleições, ditar o comportamento dos candidatos que tentam cada vez mais falar a língua das redes. Por ora, a maioria dessas páginas só joga gasolina na polarização, inviabiliza o debate, não tem compromisso com a informação e nem responsabilidade social. Os seguidores são apenas massa de manobra para catapultar sua audiência e o seu faturamento com publicidade.

Vocês shippam essa duplinha, página de fofoca e política?

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