Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

Senzala moderna

Não é só em briga de marido de mulher que devemos meter a colher

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Se você não entendeu até hoje porque negros muitas vezes dizem estar cansados de falar, de ensinar, de explicar sobre racismo, tivemos em uma semana dois episódios que talvez resumam essa exaustão.

O que mais precisa ser dito diante da cena em que uma mulher branca se sente confortável em dizer alto e bom som que o cabelo de uma negra pode transmitir doenças, como aconteceu no metrô em São Paulo?

O que ainda é necessário para que reconheçamos nosso passado e presente tão racistas, se em 2022 os jornais trazem notícias sobre seres humanos escravizados?

Há centenas de livros, documentários, teses de mestrado e de doutorado que examinam, contam, desenham o horror vivido por negros e indígenas ao longo de séculos e, em especial, como o racismo forjou uma sociedade cruel e desigual. Mas nem precisa ir tão longe, é só ler a chamada de uma reportagem: "50 anos de escravidão em bairro nobre de Santos". Quer uma mais fresquinha? "Idosa é resgatada de trabalho escravo na Bahia".

Essa daqui talvez seja mais didática. "Brasil bate recorde de domésticas resgatadas em trabalho análogo à escravidão." Análogo, para quem pode estar distraído, significa idêntico. É trabalho escravo. O quartinho da empregada é a "senzala moderna", como tão bem definiu a rapper e historiadora Preta Rara. Uma pesquisa rápida na internet mostra que vivemos um presente escravocrata em pleno século 21.

No ano passado, foram 28 casos de trabalho doméstico escravo, segundo o Ministério do Trabalho e da Previdência. São pessoas que existiam para limpar, cozinhar, lavar, passar, criar filhos alheios, sem salário, sem folga, sem direitos, trancafiadas em cômodos minúsculos, muitas vezes suportando agressões físicas, além de toda a violência moral. Se essas notícias não nos fazem sentir o peso brutal de nossa responsabilidade como sociedade, não há livros de história que deem conta. Não adianta palestra, textão, podcast para nos sensibilizar.

Se você não entende que não adianta não ser racista, que é preciso ser antirracista, encare essas histórias cruéis como exemplos de como cada um de nós deveria se comportar.

Não é com hashtag nas redes sociais, mas com ações concretas.

Casos de escravidão moderna têm vindo à tona pela denúncia de vizinhos. Não é só em briga de marido de mulher que devemos meter a colher. O elevador de serviço está cheio de histórias podres, de injustiças, de preconceitos, de violações contra os direitos humanos que precisam ser contadas. No episódio de evidente racismo no metrô do Rio, a vítima contou não apenas com o apoio de familiares, mas com o indignação dos outros usuários, que chamaram a polícia e engrossaram o coro de "racista" contra a agressora. Não adianta se dizer antirracista e não sentir vergonha e raiva de viver num país em que há tantos racistas orgulhosos.

Welica Ribeiro (dir), que alega ter sido vítima de racismo no metrô de São Paulo - Reprodução TV Globo

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.