Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Pacto de silêncio

Episódios de racismo enfrentado pelos filhos do casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso são rotina no Brasil

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Foi em Portugal, mas acontece o tempo todo sob nossos olhos. Episódios de racismo, como o enfrentado pelos filhos do casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, são rotina por aqui. Por que pouco muda? A maioria das pessoas ainda ignora a gravidade deste e de tantos outros preconceitos e violências que temos que enfrentar como sociedade. Não são questões individuais, não é sobre o outro. Somos um país bruto, que ora nega ora minimiza nosso histórico incivilizado.

Ilustração representando mulheres negras que seguram megafones
Ilustração publicada em 3 de fevereiro - Linoca Souza

Vivemos desde sempre um pacto de silêncio. A instituição que mais funciona no país é a da falta de empatia. Fingimos não ouvir a piada sobre o "viadinho" que acabou de passar, o choro da vizinha que apanha do marido, os comentários racistas espalhados em tantos ambientes. Quantas histórias de escravidão doméstica temos lido nos jornais nos últimos tempos? Não é possível que alguém pegue o elevador todos os dias, tenha suspeitas sobre violações contra os direitos humanos, volte para casa e continue a acompanhar a sua novela, quando um drama verdadeiro acontece a apenas alguns metros. Mas é isso que a maioria de nós faz. Enquanto não respinga em nossa sobrevivência, não reagimos em defesa do outro.

Gritamos nas redes sociais e só. Nosso pacto de silêncio mantém todos os alicerces que sustentam o machismo, o racismo, a homofobia inabaláveis. Nosso sistema é bruto, ainda trata mulheres, negros e população LGBTQIA+ com descaso e a nossa impassibilidade financia episódios de injustiça social, de preconceito e de violência, diariamente. Taí um tal cantor, marido de uma ex-paquita, que se diz "obviamente contra o racismo" ao mesmo tempo que se refere à denúncia do crime em Portugal, amplamente divulgada, como coisa de "lacrador".

Meia dúzia de passos e ergue-se uma barreira contra as mudanças porque ela nos exige olhar para nosso passado brutal e manter uma postura constante de fiscal do presente. Quem está disposto? Vai se meter na briga de marido e mulher, que engrossa as estatísticas escandalosas de feminicídio? Quem se levantará por causa de comentários homofóbicos feitos sobre desconhecidos? Quem interromperá um almoço numa tarde de sábado para apoiar uma mulher negra a proteger seus filhos do preconceito?

Se você ouviu os gritos de Giovanna Ewbank e não teve vontade de gritar também, te falta não só consciência social, mas também um coração. Se você não se revoltou ao saber que a Justiça negou a prisão de Sarí Corte Real, condenada pela morte do menino Miguel, talvez nenhum livro o ajude a entender o abismo racial em que vivemos.

Que os gritos de Giovanna, lá de cima de todos os seus privilégios, ajudem a acabar com o silêncio, por vezes ensurdecedor, de todos nós.

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