Se você é como eu e assiste a uma maratona na televisão do começo ao fim, pesquisa sobre relógio, tênis, gel de carboidrato, monitora frequência cardíaca e velocidade da passada sempre que sai para correr, trago boas notícias.
Depois de treinos solitários, adiamentos de provas e corridas virtuais, as maratonas na Europa voltaram para valer.
Em setembro, a de Berlim teve torcida e quase 30 mil participantes de 139 países. O etíope Kenenisa Bekele ficou em terceiro, frustrou quem esperava um recorde mundial e viu o compatriota Guye Adola ser campeão. A marca oficial mais rápida do mundo, 2h01min39 do queniano Eliud Kipchoge, que não correu, continua intacta. Mas ver tanta gente nas ruas parece ter sido a maior vitória.
No último domingo (3), a Maratona de Londres deixou a capital inglesa mais alegre, 889 dias depois da última edição com público e corredores amadores. Uma multidão foi torcer não só nas provas de elite –vencidas pelo etíope Sisay Lemma e pela queniana Joyciline Jepkosgei– mas pelos mais de 40 mil participantes.
Corridas de rua são um bom parâmetro da situação sanitária de um país. Como quase 85% da população do Reino Unido acima de 16 anos está completamente vacinada, e a imunização de adolescentes e o reforço para idosos está em andamento, a vida aqui na Inglaterra está praticamente normal. Quase não há restrições, o número de mortes por coronavírus é baixo, estádios de futebol estão cheios, viajar ficou mais fácil.
Os ingleses adoram a Maratona de Londres. Levam cartazes, bandeiras, usam fantasias. Agora, voltaram a ir para a rua sem medo.
Sou o exemplo clássico da pessoa que foi mordida pelo bichinho da corrida. No meu caso, as provas de 5 km viraram 10 km, 21 km, até chegar a uma maratona, a de Paris, em 2012. Lá pelo km 30, quando em alguns maratonistas de primeira viagem o corpo dá sinais de que quer parar e é a cabeça que manda, ouvi um “Allez Marina!”.
Uma desconhecida leu meu nome na camisa e quis me incentivar. Nunca me esqueci daquela voz, apesar de não me lembrar do rosto. Eram muitos à beira do percurso. É impressionante como existe tanta gente disposta a ficar horas de pé torcendo por desconhecidos. A corrida traz um sentimento de união que poucas vezes vi na vida.
Correr aumenta minha disciplina e resiliência, deixa meu corpo forte, minha mente alerta e criativa. Tenho a sorte de amar um esporte cujo grande ídolo é um exemplo de ser humano. Kipchoge, único no planeta a correr uma maratona abaixo de duas horas, é talentoso, humilde e carismático.
Tive o privilégio de cobrir as provas de Berlim e Londres e Jogos Olímpicos de 2016 e entrevistar o queniano algumas vezes após a linha de chegada. Com a voz calma de quem parecia ter saído de um spa relaxante, sempre falou da paixão pelo que faz. Kipchoge sorri quando sofre no fim de uma corrida porque isso o ajuda a lidar com a dor. Como não adorá-lo?
Como a pandemia não acabou, não dá para cravar qual o futuro das maratonas, mas ele parece promissor. Chicago, Boston e Nova York vêm aí, com público e milhares de corredores. Para quem assiste na TV ou ao vivo, é mais emocionante.
Quem mora em outras partes do mundo e gosta de disputar essas provas pode ter otimismo, já que viagens voltaram a ser possíveis para quem está vacinado. Se você é um deles e queria um incentivo, pode tirar a planilha de treinos e o tênis do armário.
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