Com quem você já se decepcionou no esporte? Compartilho aqui a minha lista. Como jornalista, ao mesmo tempo em que mantenho certo distanciamento que a ética profissional exige, tenho profunda admiração por atletas e me considero privilegiada por aprender com eles valores positivos, resiliência, disciplina, coragem. Infelizmente (ao menos para mim), a imagem que eu tinha sobre alguns se desfez. Não por coincidência, durante a pandemia.
A mais recente decepção é, claro, Novak Djokovic. O número um do mundo sempre foi admirado pelo que fez dentro e fora de quadra. Era conhecido não só por ser um campeão mas também engraçado, simpático, educado. Já o entrevistei e cobri torneios em que o sérvio competiu. Portanto, não era só uma impressão, vi que ele realmente era tudo isso.
No entanto, se em junho de 2020 o tenista organizou um torneio com público quando ainda não havia vacinas contra a Covid-19 e depois disse que era contra a imunização, agora parece usar a mesma determinação que o fez ganhar 20 títulos de Grand Slam para destroçar de vez a própria reputação. Cada nova informação divulgada na novela do Aberto da Austrália piora essa percepção.
Outra desilusão foi com a tricampeã olímpica Kerri Walsh. Quem gosta de vôlei de praia lembra como ela e Misty May-Treanor dominaram o esporte. Entrevistar Walsh era ter a certeza de que ela era uma mulher incrível. Sempre sorrindo, amável, dava declarações admiráveis.
Até que, em setembro de 2020, a americana publicou nas redes sociais um texto cheio de opiniões sem comprovação científica, comparando o uso de máscaras à escravidão. Na época, quase 200 mil pessoas já haviam morrido por causa do coronavírus nos Estados Unidos.
E até o Kelly Slater... Logo ele? Onze vezes campeão mundial, o americano era o máximo. Admirado por dez entre dez fãs de surfe, talentoso, bom exemplo, defensor da natureza. Nas vezes em que competiu no Brasil, conseguir um autógrafo ou uma foto com ele era um troféu para guardar pelo resto da vida.
Slater resolveu se tornar uma das vozes do movimento negacionista, com declarações arrogantes de que sabe mais sobre ser saudável "do que 99% dos médicos" e debochando das restrições justamente na Austrália, onde tantas vezes venceu e foi ovacionado.
Segundo a psicanálise, admiramos alguém porque projetamos no outro os valores que gostaríamos de ter. Como atletas são pessoas públicas e os vemos constantemente na televisão e na internet, temos a impressão de que os conhecemos bem.
Quando dizem ou fazem algo que vai contra a imagem que tínhamos sobre eles, deveria ser simples parar de acompanhar e admirar essas pessoas, certo? Mas nem sempre é fácil porque, para isso, às vezes temos que admitir que nos enganamos no nosso próprio julgamento ou lembrar que nossos ídolos são humanos e erram.
Para piorar, o mundo das redes sociais amplifica debates inúteis –como quando alguém sem nenhuma especialização médica tenta dar opinião e conselhos sobre vacinas e vírus.
Em geral, quem escolhe defender publicamente as próprias convicções contra a ciência com tanto afinco, como Djokovic, Slater, Walsh e muitos outros, não se importa se eu e você, caro leitor ou leitora, pensamos diferentemente deles. Portanto, se insistirmos em apoiar alguém cegamente porque não queremos dar o braço a torcer, será que o problema está mais neles ou em nós?
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