Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Marina Izidro
Descrição de chapéu Maradona (1960-2020)

Gol batizado de 'La Mano de Dios' ainda fascina o mundo

Camisa de R$ 45 milhões mostra que lance polêmico está vivo na memória

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Em uma das ruas mais chiques de Londres, cercada de boutiques de alta-costura, fica a Sotheby’s. Chego ao prédio imponente, sede da casa de leilões há mais de cem anos. Passo pela escultura de uma deusa egípcia de 1320 a.C. acima da porta de entrada e sou recepcionada por um educado segurança de terno. "Gostaria de ver a camisa da mão de Deus, por favor", eu digo.

Sorrindo, ele me acompanha e aponta para uma sala à direita no fim do corredor principal. Na entrada, está a placa: "Argentina 2-1 Inglaterra, 22 de junho de 1986, Estádio Azteca". No restaurante em frente, senhoras inglesas tomam um tradicional chá da tarde bem perto da peça usada por um dos jogadores mais rebeldes da história do futebol. Exemplo de como a pluralidade convive em harmonia na capital inglesa.

A camisa que Maradona usou para marcar dois gols memoráveis - Adian Dennis/AFP

O ambiente é cuidadosamente preparado. As paredes estão decoradas com fotos de lances de Diego Maradona, e, no centro, em destaque e protegido por um vidro, está um símbolo que transcende o esporte: a camisa 10 usada pelo argentino contra a Inglaterra nas quartas de final da Copa do Mundo do México. A iluminação especial dá um ar imponente, como se estivéssemos prestes a ver um espetáculo, e acentua o azul vivo do uniforme. Só que não há clima de estádio, pelo contrário: assim como em um museu, é um local para observar e apreciar.

A Sotheby’s é aberta ao público, e quem tem curiosidade pode ver de perto itens que vão a leilão. Já ser o dono deles é para pouquíssimos. Até porque não é qualquer camisa: avaliada entre 4 milhões de libras e 6 milhões de libras, ela foi usada por Maradona em um dos gols mais polêmicos de todos os tempos: "La Mano de Dios" para os argentinos, "A Mão de Deus" em português, "The Hand of God" para os ingleses.

A história escrita em uma das paredes da sala diz que, assim que marcou, com a ajuda da mão, Maradona chamou os companheiros e pediu que o abraçassem ou o árbitro não validaria o gol. Ainda fez mais um, o chamado "gol do século", considerado o mais bonito da história das Copas em uma eleição da Fifa.

A Argentina venceu, eliminou a Inglaterra e foi campeã daquele Mundial. Depois da partida, Steve Hodge, então meio-campo da seleção inglesa, pediu para trocar camisas com Maradona e ficou com a relíquia, que estava em exibição no Museu Nacional do Futebol, em Manchester.

Existe ainda um contexto histórico além do esportivo: o jogo foi quatro anos depois da Guerra das Malvinas, em 1982, quando a Argentina tentou tomar o controle das ilhas que estavam sob domínio britânico e foi derrotada. Aquela vitória teria sido uma espécie de vingança simbólica, segundo Maradona.

O leilão começou no dia 20 de abril e terminou na última quarta-feira (4). Nos últimos minutos, dava para ver os lances aumentando, e, quando o cronômetro zerou, o final e vencedor foi maior do que o esperado: 7.142.500 de libras, ou quase R$ 45 milhões, recorde para um artigo esportivo em leilão. Dios mio. O nome do novo dono não foi divulgado.

O lance irregular foi muitas décadas antes do VAR, e não há dinheiro no mundo que possibilite reverter a decisão do árbitro, o que poderia ter mudado a história da partida. Aquele dia está vivo na memória dos ingleses, que chamam o gol de "infame". Mas o segurança da casa de leilões, fã de futebol, não se incomoda mais. Acredita que a culpa foi do juiz, não do argentino. "Queria que Maradona tivesse jogado por mais alguns anos. O gol foi incrível. Eu o perdoo."

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