Quem estiver no Reino Unido estes dias vai se deparar com muitas bandeiras nacionais e ruas enfeitadas. É a semana do Jubileu de Platina da Rainha Elizabeth 2ª. São 96 anos de idade e 70 de reinado. A monarca mais longeva da história britânica é querida e respeitada até por quem se diz republicano.
São quatro dias de feriado nacional, pubs abertos até mais tarde, desfiles e festas. Eventos da Família Real, como jubileus e casamentos, são para muitos uma forma de trazer leveza em momentos difíceis. Tantas bandeiras britânicas espalhadas pelo país passam a imagem de orgulho inabalável da própria identidade nacional. Nem sempre é assim.
Se no Brasil há gente desconfortável com a própria relação com nossa bandeira e que não usa a camisa da seleção brasileira com receio de ser associado a uma posição política com a qual não concorda, saiba que isso aconteceu aqui na Inglaterra também.
Nos anos 80, o hooliganismo afastou torcedores dos estádios, diminuiu o entusiasmo pelo futebol e deixou muitos com vergonha de usar as cores da seleção. Em décadas seguintes, grupos de extrema-direita como a English Defence League tentaram se apropriar da cruz de são Jorge –da bandeira da Inglaterra– usando-a como símbolo político. Movimentos como esse adotavam estratégia já vista em outros países: quem os apoiava era chamado por eles de patriota; quem não concordava era inimigo da nação.
Como esporte e política se misturam, mais recentemente defensores do Brexit tentaram associar o bom desempenho da Inglaterra na Eurocopa à separação do Reino Unido da União Europeia (e parecendo ignorar que um dos motivos de o Campeonato Inglês ser o mais forte do mundo é a diversidade de talentos estrangeiros). O primeiro-ministro Boris Johnson foi acusado de querer surfar na onda do sucesso do futebol ao ir à final entre Inglaterra e Itália, em Wembley, com a camisa da seleção.
Mas, aos poucos, parte dos ingleses está conseguindo resgatar seus símbolos e mudar o cenário. A geração de jogadores da seleção treinada por Gareth Southgate tem sido fundamental para o retorno desse orgulho. Como escreveu Andrew Rawnsley no The Observer, Southgate acredita em uma Inglaterra unida "não por um nativismo furioso e feio, mas por um patriotismo positivo." Defende a diversidade na equipe, os atletas se ajoelharem em campo, posiciona-se em causas como igualdade de gênero e combate ao racismo.
É o comandante de uma Inglaterra moderna e progressista, estilo de liderança com o qual muitos se identificam. Antes da Eurocopa, escreveu um editorial intitulado "Querida Inglaterra", tentativa de unir a nação em torno do futebol, associando-o à noção de identidade nacional. Disse que acredita que estamos indo na direção de uma sociedade mais tolerante e seus jogadores são parte disso. Todos sabem que o caminho é longo porque casos de racismo contra atletas são frequentes.
O que acontece na Inglaterra pode servir como exemplo de que nossos símbolos nacionais não precisam ser ligados à intolerância e pertencem a todos. Com a Copa do Mundo neste ano, apoiar um time ou ter orgulho do país não significa escolha política para nenhum lado.
Os ingleses de vez em quando me perguntam sobre política e futebol. No olhar deles, de quem vê de fora apenas com pura admiração, há uma opinião em comum: nosso uniforme canarinho é lindo.
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