Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Marina Izidro

Obrigada pela sinceridade, Serena

Atleta mostra que não existe conto de fadas e, sim, uma escolha difícil entre maternidade e carreira

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Cada vez que ela entrar em quadra, pode ser a última. Desde que Serena Williams escreveu em um artigo na revista Vogue que está "evoluindo para longe do tênis" (ela não gosta da palavra "aposentadoria"), tem recebido homenagens. Esta semana, foi ovacionada ao perder na segunda rodada do WTA de Toronto. É o início de uma contagem regressiva que parece culminar com uma despedida no US Open, no fim do mês. Foi lá onde venceu seu primeiro Grand Slam, aos 17 anos.

Serena Williams acena para o público após derrpta para a suíça Belinda Bencic em Toronto, no Canadá
Serena Williams acena para o público após derrpta para a suíça Belinda Bencic em Toronto, no Canadá - Cole Burston-10.ago.22/Reuters

No texto, a americana – mãe de Olympia, de 4 anos – explica que ela e o marido querem ter outro filho e "nunca quis ter que escolher entre o tênis e formar uma família"; que se fosse homem "não escreveria isso porque estaria jogando e vencendo enquanto minha esposa fazia o trabalho físico de aumentar a família"; e que tentaria ser como Tom Brady, jogador da NFL de 45 anos (e marido de Gisele Bündchen) ainda em atividade. Mas que, prestes a completar 41 anos, é preciso ceder.

O desabafo não é reclamação nem chororô e, sim, apenas a verdade escancarada. Roger Federer ganhou cinco Grand Slams depois de ser pai. Novak Djokovic era número 1 do mundo quando o filho nasceu. Rafael Nadal anunciou que a esposa estava grávida e houve comentários de que isto poderia acelerar sua aposentadoria. Não, o espanhol não vai parar só por isso, simplesmente porque não precisa.

Já Serena venceu o Aberto da Austrália grávida e conta que passou de "uma cesariana a uma segunda embolia pulmonar a uma final de Grand Slam." Jogou enquanto amamentava e com depressão pós-parto. Mas é questionada por não ter igualado o recorde de Margaret Court de 24 Grand Slams. Ganhou 23, mais que Federer, Djokovic ou Nadal, fora os quatro ouros olímpicos. E teve que ouvir um monte de bobagens ao longo da carreira.

Mas não escutou quieta. Em 2016, Djokovic defendeu premiação maior no masculino porque haveria "mais espectadores nas partidas deles." Serena rebateu. Disse que, se o sérvio tivesse uma filha, deveria então explicar a ela que o irmão merecia ganhar mais apenas por ser homem. Na final do US Open de 2018, chamou o juiz de cadeira de mentiroso e ladrão. Ao receber uma punição, o acusou de sexismo, afirmando que ele não faria isso com um homem. Nick Kyrgios que o diga.

A tenista que levanta troféus com a mesma determinação com a qual defende a igualdade de gênero diz não pensar muito em seu legado, mas quer acreditar que ajudou atletas a serem elas mesmas, vestir e falar o que quiserem. Foi além: vai dedicar mais tempo à sua empresa de venture capital, Serena Ventures, com 80% do atual portfólio focado em dar oportunidades a mulheres e negros. E, com seu interesse pela moda, ainda deixou o tênis mais cool e popular.

Ganhar o US Open seria o desfecho dos sonhos, mas ela sabe que será difícil, já que voltou às quadras em junho depois de um ano fora por lesão. E, mesmo, para uma das maiores atletas de todos os tempos, nada é mais forte do que a vida real. Não importa o quão bem-sucedida ou o quanto o dinheiro possa ajudar na criação de um filho: gerá-lo e estar presente depois que ele nasce pode significar abrir mão de sonhos profissionais. Serena não esconde que a aposentadoria a fará sofrer e, ao ser sincera, presta um enorme serviço a tantas mulheres que sentem a angústia de ter que priorizar família ou carreira. História para ser compartilhada e compreendida, mesmo por quem nunca pegou em uma raquete.

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