Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Mario Sergio Conti
Descrição de chapéu

Papas, peladões e pretinho básico

Mundinho fashion se agita em Nova York, Paris e no desfile de candidatos ao Planalto

Ilustração
Bruna Barros/Folhapress

Na segunda-feira (7), dúzias de divindades pisaram o tapete vermelho que rivaliza com o do Oscar e o dos desfiles da alta costura francesa. Subiram a escadaria do Metropolitan de Nova York como se ascendessem ao paraíso. Vestiam batinas cravejadas, mitras papais, asas de anjo.

O frisson foi zero. E olha que Clóvis Bornay, paramentado de Catedral Submersa, estaria discreto no museu-sambódromo. Rihanna era um Bento 16 de minissaia de prata. Sarah Jessica Parker equilibrava um presépio na cabeça. Lana del Rey tinha no peito um coração de ouro trespassado por espadas. Anne Hathaway estava de auréola.

A repercussão morna do Met Gala mostra que a moda anda fora de moda. Ela está de tal modo fugaz que lhe fica difícil o desempenho de duas das suas tarefas: ostentar riqueza e estetizar a rebeldia.

Entrar no Met Gala custava US$ 30 mil. A mesa para o jantar, US$ 275 mil. Mas o dinheiro não causou porque o Met Gala arrecadava fundos. A filantropia, sobretudo se artística, é tida por altruísmo, e não como sinal de pertencer à classe argentária.

A fartura de signos cristãos no corpo de atrizes, cantoras e modelos, por sua vez, não arreliava com os papa-hóstias. Ao contrário: o Vaticano cedeu ornamentos ao Metropolitan. A Igreja do papa Francisco, que lava o pé de periféricos, é a mesma que festeja o fausto do jet set.

Num museu europeu, a voga era a antimoda. No sábado (5), uns 200 peladões foram ao Palais de Tokyo, santuário parisiense de arte contemporânea. Outra vez, não se quis chocar. O museu apenas atendeu ao pedido de nudistas. Não houve quizumba à la MBL.

A arte anteviu as duas situações. Em "Roma", Fellini exibiu um desfile de moda eclesiástica tão extravagante quanto o do Met. Em "Prêt-à-Porter", Robert Altman mostrou modelos nuas na passarela.

Um satirizava a Igreja; o outro, o mundinho fashion. Prelados protestaram. Karl Lagerfeld quis censurar o filme de Altman.

Roland Barthes disse que a roupa tem três funções: resguardar o pudor; proteger o corpo; portar adornos. Por dizer algo novo sobre a sociedade, toda moda nascente é uma revolta contra o vestuário em vigor.

Em Nova York, a compostura, o abrigo e as insígnias perderam o gume —para que o frívolo e o sagrado celebrassem os excessos da civilização. Em Paris, o movimento foi contrário. Corpos em estado natural passearam entre detritos da civilização, as obras de arte contemporâneas.

E no Brasil? Como as três funções da moda estão em vigor, ela muda com lerdeza agoniante. Aguardou-se durante anos o novo, a moda que se insurgisse contra a mesmice. Em vão. É o que se vê no grande desfile de meia estação, o de modelos postulantes ao Planalto.

Geraldo Alckmin herdou o guarda-roupa de Campos Salles. São paletós lúgubres, camisas imaculadas, calças com vinco. Ele não afrouxa o nó da gravata nem para trocar dous dedos de prosa. Para não pegar friagem, porá ceroulas no inverno —como recomendava tia Maricota, lá de Pinda.

Jair Bolsonaro deixa o cabelo tingido cair na testa, o que lhe confere frescura à figura sessentona. A indumentária uniforme realça o gestual bélico-buliçoso. Gargalha, bate a mão na mesa, aponta os braços como se portasse um fuzil fálico.

Guilherme Boulos pensa como a esquerda clássica: a moda não significa, o que vale é a política. Devagarinho, porém, tem trocado camisetas por colarinhos. Detalhe: usa as camisas fora da calça, como nos Jardins. O PSOL debaterá se ele deve ir de terno aos debates na tevê.

O pretinho básico de Ciro Gomes denota seriedade. A gravata vermelha lhe dá um toque de Trump à esquerda. Contra a loquacidade estouvada das camisas coloridas do passado, agora mostra previsibilidade.

Henrique Meirelles tem uma fortuna de R$ 960 milhões e os ternos mais mal cortados da República.

Manuela D'Ávila é puro arejamento visual. Seu cabelo está com a cor natural, repicado e curto atrás. Ela tem umas dez tatuagens, mas não as ostenta. Usa as bijuterias e lenços mais charmosos da campanha.

Lula está solto nas imagens de Ricardo Stuckert, seu fotógrafo oficial. Nelas, as partes brancas ganham detalhes e as sombras são atenuadas. Velhinhas beijam, crianças apalpam, multidões cercam o patriarca messiânico, que se sacrifica e é venerado.

Marina Silva tem inspiração étnico-natureba: tons foscos, xales, túnicas desestruturadas, estampados, batom cor de amora. O coque com presilha lembra o de Frida Kahlo.

O Vampirão da Tuiuti estaria em casa no Met Gala. Que a moda nos livre dele nu.

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