Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mario Sergio Conti

Dias de ira e de alegria

A liberdade e as prisões de Battisti no Rio e na Papuda, em Cananeia e no Embu

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Polícia Federal, abril, 2007. Numa cela onde só cabem dois, Cesare Battisti convive com sete detentos. Na sede da PF, em Brasília, está esquálido, maltrapilho e meio surdo devido à otite. Seus colegas de cana, imberbes ladrões de fios de cobre, dedicam-se a uma infatigável algazarra.

Asa Sul, junho. Vincenzo conta que, na juventude, seu irmão parecia os companheiros de cadeia. “Era um rato das ruas”, diz. Como o visitou no México e na França, brinca: “Cesare é meu agente de turismo”. Numa das viagens, Vincenzo teve “um baita problema”, engravidou uma moça.

PF, julho. Battisti diz que foi autorizado pelo governo francês a fugir de Paris para o Rio de Janeiro, a fim de escapar da extradição determinada pelo presidente Jacques Chirac, que fizera um acordo com Berlusconi.

Mas Chirac —que posava de herói do direito de asilo— não queria o ônus da expulsão. 
Preferia que Battisti sumisse. Na clandestinidade carioca, ele foi acintosamente monitorado por agentes franceses.

Papuda, abril-setembro, 2008. A transferência para o presídio lhe melhorou o ânimo, mas ele continuava com dificuldade de concentração. Diz que sua prisão foi determinada por Nicolas Sarkozy, para servir de propaganda na campanha ao Eliseu. A PF deu cor local à operação.

Ilustração
Bruna Barros/Folhapress

Sua formação intelectual é limitada. Não obstante, é um artista à Jean Genet. “L’Ultimo Sparo” e “Avenida Revolución” tematizam a revolta pré-política, a errância, o sexo e a solidão.

Bamboo Bar, outubro, 2009. É a nona viagem a Brasília da pintora Jo e da zoóloga e 
escritora Fred Vargas. Acompanham de perto o que chamam de “caçada a Battisti”.

Os dossiês exaustivos sobre a perseguição foram feitos pela própria Fred e por Carlo 
Lungarzo —ambos treinados em ciências exatas, estrangeiros e humanistas distantes da política. Não é um acaso.

Aqui, verdade, justiça e solidariedade tendem a ser tidas por irrelevâncias. O beletrismo ostentatório conta mais que argumentos fundados em fatos. Fâmulos da Embaixada da Itália se dedicam ao estridente linchamento de Battisti e ninguém os confronta.

Jo Vargas observa: “Sem o ‘eu acuso’ de Zola, no affaire Dreyfus, milhões de outros judeus teriam sido assassinados pelos nazistas”.

STF, novembro, 2009. Três dias de palavrório ideologizado. Os togados não notam que o documento de Battisti constituindo advogados na Itália é uma fraude descarada.

Ocultam que inexiste prova de que ele tenha matado alguém, exceto a delação interesseira de “arrependidos”, um conceito medieval. Ilógicos, estabelecem que cometeu crimes comuns, mas cabe ao presidente decidir o seu destino.

Telefonema, dezembro, 2009. Sarkozy pede a Lula que acolha Battisti. O presidente 
francês se casou há meses com Carla Bruni, irmã da atriz Valeria Tedeschi. Italianas, filhas de uma família milionária que fugiu de ataques terroristas na Itália, elas acham que o conterrâneo é inocente.

Pragmático, Lula concorda: na política e na economia, a França é mais importante que a Itália. Decide depois da eleição de Dilma —também ela falsamente acusada de terrorismo.

Ipanema, janeiro, 2010. Quem reconhece o recém-libertado lhe faz sinal de positivo com o polegar. “Nunca mais irei embora”, diz Battisti, com um sorrisão de orelha a orelha.

Cananeia, julho, 2011. Seu amigo Magno de Carvalho, sindicalista, lhe empresta a casa no vilarejo. A molecada o apelida de Piradinho porque é um andarilho contumaz. Cozinha um peixe dos deuses.

Progresso, junho, 2012. Os dez mil Battisti gaúchos e barrigas-verdes, descendentes de imigrantes, homenageiam Cesare com um churrasco-monstro no burgo de 6.000 almas, no Vale do Taquari.
De botas, bombachas, lenço e chapéu, ele discursa para uns 200 Battisti: “Vocês ficaram do meu lado, me acolheram como a um filho pródigo”. Chora.

Embu das Artes, meados de 2014. Muda-se para lá porque precisa ir com frequência a uma Farmácia Popular, pegar remédio para a hepatite. Policiais italianos o vigiam sem disfarçar.

Jardins, Dia de Reis de 2015. Come Galette des Rois com amigos. Eduardo Suplicy telefona várias vezes dizendo que chegará logo. Não chega.

Perdizes, setembro, 2018: “Bolsonaro vai ganhar?”, indaga, aflito. Ao telefone, em dezembro: “Onde foram parar os brasileiros?”.

Sardenha, anteontem. O advogado de Battisti o visita no cárcere de Oristano, na Sardenha. Acha sua aparência péssima e pede que o médico da prisão o examine. Era cansaço.

Passará um semestre no isolamento, recebendo quatro visitas por mês. Seu irmão Vincenzo, que queria vê-lo logo, terá de esperar até não se sabe quando.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.