Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mario Sergio Conti
Descrição de chapéu

Jair Berlusconi

Sempre cabe mais uma aberração na galeria de monstros do lado obscuro da força

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O supremo mandatário foi pego falando que a chanceler Angela Merkel era uma “bunduda incomível”. Disse que ele próprio vivia “num país de merda”. Revelou que concordava “com tudo que o presidente americano pensava”.

Ninguém se espantaria se as três eructações fossem de Jair Bolsonaro. Mas quem as proferiu foi Silvio Berlusconi, o premiê que mais tempo ficou no poder na Itália desde o fim da Segunda Guerra —17 anos.

Pouco depois da eleição de Trump, o filósofo francês Alain Badiou disse que o primeiro ministro italiano, além de predecessor do americano, fora um político sob medida para os novos tempos, tempos de triunfo incontrastável do capitalismo sem amarras e desbussolado.

Tanto Berlusconi como Trump, disse ele, têm em comum “certa relação patológica com o sexo feminino, e a possibilidade de dizer e fazer em público algumas coisas que são inaceitáveis para a maior parte da humanidade de hoje”. Bolsonaro cabe na definição.

Ilustração
Bruna Barros/Folhapress

O italiano teve e o americano tem —assim como Duterte, Erdogan, Orbán, Putin “et caterva”— um pé dentro e outro fora do sistema. As aberrações ocupam o centro do poder político, ao qual chegaram por meio de eleições, mas dizem coisas tão escabrosas que parecem estar fora dele.

Como a democracia só lhes interessa se vencem, solapam suas instituições e enxovalham quem atrapalhe sua perpetuação no poder. Não se importam em ser tidos por bufões e beócios. Repetem a lição de Berlusconi: a política é uma peça burlesca na qual o chefe deve causar.

Badiou recitou um verso de Racine para delinear o pano de fundo do triunfo de Trump: “Foi durante o horror de uma noite profunda”. Isso porque, no seu entender, Berlusconi teve um precursor na aurora da espetacularização da política: Mussolini, o decano do lado obscuro da força.

Ao descrever a noite profunda na qual bestas feras da extrema direita empalmam o poder, o filósofo chamou os regimes políticos nascentes de “novo fascismo”. Além de vaga, a caracterização força a barra.

Isso porque, no século passado, o fascismo italiano apelou para a violência —legal e ilegal— e destruiu partidos operários, sindicatos e associações democráticas. Mobilizou o lumpemproletariado e teve apoio da grande burguesia para criar um Estado corporativo.

Isso não ocorreu com Berlusconi nem acontece com Bolsonaro. Não se esqueça, porém, o que disse outro italiano, Primo Levi: “Cada época tem o seu próprio fascismo”.

Como a palavra-chave que define o fascismo é “violência”, a crise brasileira corre o risco, sim, de extravasar da destrambelhada oratória presidencial para ações autoritárias de governo.

Para tanto, Bolsonaro precisaria transformar em força material o que fala: o incentivo a que seus seguidores se armem; o louvor de milícias paraestatais; o incitamento ao assassinato de “bandidos” (que ele define quem são); o elogio da tortura; a ameaça em prender ou banir dissidentes.

Há distância entre retórica e realidade. O sultão Berlusconi contratava piranhas para suas festas bunga-bunga, por exemplo. Já Bolsonaro ficou nas imagens e no palavrório: alardeou um vídeo obsceno, jactou-se de não usar “aditivos”, admitiu que gosta de abraçar marmanjos e se disse apaixonado por Trump.

No plano político, a distância entre palavras e atos vem diminuindo. Os surtos verbais do presidente são um índice. Eles servem para que atice seus cupinchas. Nas redes sociais, a corriola radicaliza o que o chefe vituperou. E este último, se achando, parte para a ignorância. O círculo vicioso deprava o discurso público.

Na Itália, Berlusconi chegou ao poder devido à ruína de liberais e social-democratas. Aqui, Bolsonaro se beneficiou do fracasso de tucanos e petistas.

Lá, a cultura antifascista do pós-Guerra deu lugar ao salve-se quem puder do egoísmo berlusconiano. Cá, o orgulho antiditatorial se esvaneceu na proteção de torturadores fardados e na farra do boi da indenização das vítimas.

Berlusconi e Bolsonaro foram adubados na estufa da Mãos Limpas e da Lava Jato —seja pelas artimanhas de procuradores cúpidos, seja pela manipulação de juízes interesseiros.

O pano de fundo foi, é, a crise econômica. Ela fez com que o mercado de trabalho se contraísse, esgarçando os laços de solidariedade social. A desesperança e a apatia política derivam daí.

Há milhões de brasileiros vagando pelas ruas. Estão amargurados, ressentidos, sem perspectiva. Uma hora, eles se mexerão. O que fizerem definirá o destino do Brasil de Bolsonaro.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.