Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mario Sergio Conti

Como Chirac ensaboou Lula

França, Brasil, EUA, Haiti e Iraque na diplomacia da ingratidão, essa pantera

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Na sua primeira viagem a Paris após a posse no Planalto, em janeiro de 2003, Lula esteve com Jacques Chirac, que morreu na última quinta (26). 

A conversa com o presidente francês foi tão boa que estourou o tempo protocolar e fez com que o brasileiro chegasse atrasado ao encontro seguinte.

Era um coquetel com elefantes do Partido Socialista. Estavam todos lá, de Laurent Fabius a Michel Rocard, porque tinham relações históricas com o PT. Enquanto o aguardavam, papearam sobre baixa política e alta finança.

Lula chegou a mil e desandou a falar de Chirac: ele me prometeu isso, prometeu aquilo, disse que fará tudo pelo Brasil. “E você acreditou?”, perguntou-lhe na bucha Lionel Jospin, outro ex-primeiro-ministro.

Ilustração com o rosto de Jacques Chirac, que morreu nessa semana, sobre a bandeira da França. Onde seria a cor branca, está o preto, com o rosto de Chirac em branco.
Bruna Barros/Folhapress

Pela cara perplexa de Lula, os paquidermes notaram que sim, acreditara no canto de sereia de Chirac. Foi a vez de eles ficarem pasmos: sabiam que as juras de amor do chefe da direita francesa não valiam nada.

Chirac foi próximo dos comunistas na primeira juventude e se tornou ultraliberal. Era contra as usinas nucleares e depois o seu maior entusiasta. Viu com maus olhos a integração da França na União Europeia —inclusive a adoção do euro— mas virou campeão da causa.

Para ensaboar mandatários de todos os quadrantes, porém, ele era firme. Dias antes de Lula, estivera com Fernando Henrique, que deixara o poder e descansava em Paris. Ofereceu-lhe carro e guarda-costas. FHC os dispensou porque, como ex-presidente, o Brasil os fornecia.

As promessas de Chirac custaram caro ao Brasil. No dia 26 de fevereiro do ano seguinte, 2004, homens da CIA e sua equivalente francesa, a DST, invadiram o palácio do presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide.

Sequestraram-no, botaram num avião e o despacharam para a África.

Ato contínuo, Chirac conversou pelo telefone com Lula, no dia 4 de março. Disse-lhe que enviasse soldados para lá e que o Brasil chefiasse uma missão militar da ONU. Noutro telefonema, Bush lhe fez o mesmo pedido. Ensaboado, e sem se importar em escorar o golpe de duas potências contra um país miserável, Lula topou.

Envolto pelas brumas do Brasil Grande, quis barganhar o envio de tropas pelo Santo Graal de um assento no Conselho de Segurança da ONU. Chirac e Bush ficaram de pensar. A cadeira nunca se materializou, e o assentimento de Lula custou R$ 3 bilhões. 

Prevista para seis meses, a intervenção durou 13 anos. O grande feito dos milicos brasileiros no Haiti foi a Punho de Aço, operação que atacou Cité Soleil, favela que abrigaria adeptos de Aristide. 

Foi um feito calamitoso. Foram disparadas 22 mil balas, 78 granadas e cinco morteiros. Morreram sete supostos bandidos e, estima-se, 80 inocentes.

O chefe da Punho de Aço era o general Augusto Heleno. Ele agora comanda o Gabinete de Segurança Institucional e vocifera diuturnamente contra socialistas, ambientalistas etc. É aquele que mal contém seus punhos de aço para bater palmas a cada eructação de Bolsonaro.

Não fosse por Lula, que o mandou a Porto Príncipe e reequipou o exército de alto a baixo, Augusto Heleno talvez estivesse hoje de pijama, em casa, de onde sairia para jogar peteca com amigos da caserna. Como é mesmo o verso de Augusto dos Anjos? O que diz: “A ingratidão, essa pantera”.

As promessas e o telefonema a Lula foram bagatelas nos 18 anos de poder de Chirac. Mas estão ligados àquele que, todos os seus obituários concordam, foi o seu lance magistral: a oposição à invasão do Iraque, dois meses depois de prometer mundos e fundos a Lula.

Chirac, de fato, não caiu no conto do vigário das armas de destruição em massa de Saddam Hussein e percebeu o descontentamento dos franceses com a guerra. Pôs então em prática suas melífluas maquinações.

Enquanto discursava contra a guerra, em Paris, seu embaixador em Washington, Jean-David Levitte, se acertou com a Casa Branca: a França ampararia a invasão na moita, desde que não tivesse que vetá-la no Conselho de Segurança. Dito e feito: a resolução pela guerra não chegou à cúpula da ONU.

Ardiloso, permitiu que jatos dos Estados Unidos cruzassem o espaço aéreo francês para irem a Bagdá.

Anos antes, Mitterrand proibira que os americanos voassem sobre a França para bombardear a Líbia.

Chirac ficou popular na França. Mas, por deblaterar contra a guerra, não com Bush.

A derrubada de Aristide e os telefonemas a Lula foram articulados por Washington e Paris para que voltassem às boas. Chirac, Bush e Augusto Heleno se deram bem. Aristide e Lula, não.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.