Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Mal-estar no mundo

O Brasil na Assembleia das Nações Desunidas e da desordem planetária

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Os bambambãs que se reunirão em Nova York, na Assembleia Geral das Nações Desunidas, não expressam o estado do mundo. Estão muito aquém da emergência de forças arcaicas e fanáticas, dos vagalhões migratórios, dos uivos de guerra e dos incêndios amazônicos.

No máximo, o palavrório de potentados de gravata, de tiranetes travestidos de democratas e de demagogos bem-intencionados serviria de ruído de fundo para um filme chamado “Mal-Estar no Mundo”.

A ONU não é órgão representativo nem governante. Desde sua fundação, no pós-guerra, suas resoluções estão mais para guardanapos de papel do que para tábuas da lei. Ela está à margem do que é crucial na desordem planetária: a economia e a força militar.

Força militar é poder coercitivo. Os Estados Unidos têm 1,3 milhão de homens e mulheres nas forças armadas. O contingente chinês é maior: 2 milhões de soldados. O orçamento militar americano, porém, 
beira US$ 693 bilhões, e o de Pequim é de US$ 177 bilhões.

Vários homens gigantes de terno alinhados em meio círculo observam o planeta Terra, que parece bem pequeno perto deles e está posicionado aos pés das figuras..
Bruna Barros/Folhapress

Washington tem 160 mil militares em 150 países. Só na África, promoveu cem operações em 20 países no ano passado. Já a China mandou um punhado de oficiais para o Afeganistão, Camboja, Djibuti e o Tadjiquistão. Trump dispõe de 1.600 bombas nucleares; Xi Jinping, de 400.

A discrepância se explica pela história e pelo papel internacional dos dois países. Potência hegemônica, os Estados Unidos são uma polícia imperial desde o fim da Segunda Guerra Mundial, aliás vencida pelo Exército Vermelho.

Republicanos ou democratas, seus presidentes descem a lenha nos recalcitrantes. O falcão Reagan invadiu Granada e fez intervenções em El Salvador, Nicarágua e no Irã. Obama, fofa pomba pacifista, liderou sete guerras extralegais.

A República Popular da China, por sua vez, nunca foi expansionista. Seu Exército de Libertação vigia os vizinhos, sobretudo Índia, Coreia e Japão. Ele é uma força de dissuasão interna. Que o digam os rebeldes de Tiananmen, em 1989.

A repressão americana voltada para o exterior, e a da China para dentro, se projetam na sua tecnologia. Os Estados Unidos são senhores de guerras high-tech, dos mísseis disparados por jatos e drones. Evitam assim combates terrestres —e baixas americanas.

Morreram 4.500 americanos na Guerra do Iraque, contra 160 mil nativos. O bombardeio da infraestrutura, 2 milhões de refugiados, metade do povo desempregado e um quarto das famílias na miséria inviabilizaram a nação independente. O Iraque é terra de milícias que se digladiam. 

Seu petróleo e gás estão na mão de firmas americanas.

A China está na ponta de lança da tecnologia de reconhecimento facial e de câmeras de segurança. Por meio dela, controla cidades inteiras de forte presença muçulmana.

Na economia, também ela posta de lado no convescote das Nações Desunidas, a situação é pavorosa. Um relatório publicado há dias pela OCDE, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, diz que o ano em curso terá o pior PIB mundial desde a crise de 2008.

Aquela crise foi um marco. Ainda assim, no ano seguinte a ela, depois de Obama salvar o sistema bancário, Thomas Barnett, teórico e entusiasta do imperialismo, fez uma profecia rósea: “A África será uma imitação da Índia, que é uma imitação da China, que é uma imitação da Coreia do Sul, que é uma imitação do Japão, que há meio século foi desenvolvido por nós como uma imitação dos Estados Unidos”.

Previu também que a classes médias cresceriam em todo canto.

A globalização sob a égide americana de fato se aprofundou. Mas as classes médias foram diminuídas e empobrecidas, em favor do acúmulo da riqueza pelas elites.

O avanço da mundialização vem arrasando modos de vida tradicionais, empesteia a natureza, desloca populações, provoca o refúgio na religião —a muçulmana e a evangélica à frente— e gerou milhões de “perdedores radicais”, como os chamou o ensaísta H. M. Enzensberger.

O que o status quo mundial quer do Brasil são mercadorias da agroindústria, segurança para investir e repatriar lucros, petróleo e a proteção econômica da Amazônia — é o que diz a nota de 230 fundos de investimento, que gerem R$ 65 trilhões: “Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento pode ter sobre as empresas”.

Bolsonaro —e seus militares e juristas, seus milicianos e empresários, seus economistas e pastores— fez sua opção, a de garçom de Trump. Quer que o Brasil sirva os Estados Unidos para ver se pega restos do piquenique dos poderosos.

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