Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Cinema militante

Filmes que atacam católicos, afagam médiuns, cantam o consumo e o luxo

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Parece milagre. Com o governo deixando o cinema às traças por acreditar que é coisa de gays e comunistas, e com o empresariado caindo fora também por medo de melindrar o Planalto, ainda assim há 23 filmes nacionais em cartaz em São Paulo.

Está certo que um bocado deles foi produzido no período anterior. Mas o Brasil está na maior draga há um tempão, afora nunca ter sido propriamente progressista.

Melhor então correr e assistir a alguns deles, para ver como pintam a cena pátria. A eles.

Isso tem de ser feito conforme ensinava Paulo Emílio Sales Gomes, o grande crítico: os filmes devem ser vistos em salas para o povo remediado, em matinês do fim de semana. Para que se possa, além de ver imagens do Brasil, sentir como a plateia reage. A eles, pois, com boa vontade.

Ilustração da Hebe Camargo com estrelas em volta dela
Bruna Barros/Folhapress

“Paulo de Tarso e a História do Cristianismo Primitivo” só não é o pior filme do mundo devido ao que está fora dele: a ambição. Por ser marginal no mundo, o cinema nacional não está condenado a falar apenas de tiroteios na esquina. Que venham a teologia e a origem das religiões.

Mas não desse jeito, pelo amor de João de Deus, de Irmã Dulce, de todos os exus do Templo de Salomão.

“Paulo de Tarso” é uma salada de imagens turísticas tiradas da internet, arengas espíritas, cenas sem pé nem cabeça em periferias asiáticas e um Caio Blat caindo de brega, coitado.

Entre a presunção de desvendar a Verdade e a mixórdia na tela há um inferno apinhado de capetas. Nem é preciso boa vontade, porém, para perceber que “Paulo de Tarso” tem novidades. Uma é a militância anticatólica. Outra, descobrir que Paulo é santo da devoção kardecista.

A maior surpresa foi —saravá, Paulo Emílio!— o público. A sala estava lotada e ninguém bufou ou riu do filme, primitivo desde o título. Como foi acompanhado com deleite, sua ruindade é relativa. Ela está mais no espírito de porco jornalístico do que nos bons espíritos dos kardecistas.

Também de olho no mercado espírita, “Divaldo - O Mensageiro da Paz” conta a vida de um médium baiano que até cansa, de tão bom. Não importa —está na cara que o rebanho de Chico Xavier e sucedâneos se emociona fácil.

Porque, de novo, a matinê tinha gente saindo pelo ladrão. A senhora sentada à esquerda e o rapaz à direita se afogaram em lágrimas. Houve salva de palmas no final.

A narração de “Divaldo” é passável —há até alcoolismo explícito e homossexualidade latente— mas não explica a comoção. Talvez ela ocorra porque o pique do filme seja de elevação mística. Os que creem em passes, reencarnação, nesses troços do Além, se sensibilizam. E os descrentes?

Aparvalhados, os ímpios se indagam qual sociedade gera tais filmes. Pistas para uma resposta estão em “Ela Disse, Ele Disse”, comédia romântica para adolescentes. Sai-se das oficinas de aflições e crendices populares e se cai no materialismo cru de uma escola da elite descolada.

Na primeira cena, uma menina escolhe a roupa com a qual irá à aula. Seu guarda-roupa lembra uma loja, tem mais tênis do que os sapatos que as crianças de “Divaldo” usarão na vida inteira. Abundância e riqueza são o que interessa. O cinema estava cheio de púberes parecidos com os na tela.

O fulcro de “Ela Disse, Ele Disse” é o primeiro beijo. Tudo bem. Mas a moenda de celulares, cortes de cabelo, gadgets, gestos, gírias e atitudes é devastadora. O que não for estandardizado e para consumo vira bagaço.

Filmes adolescentes não precisam ser tolos. “Os Incompreendidos” e “Na Idade da Inocência”, ambos de Truffaut, são clássicos porque captam a solidão, a graça e as dores da formação juvenil. Mostram preceitos e preconceitos do mundo adulto, mas não se submetem a eles.

A opulência também dá o tom a “Hebe - A Estrela do Brasil”, agora com carradas de razão. A câmera percorre lentamente os cômodos atulhados de bagulhos de luxo da sua mansão. Suas joias são fetiches, 
ostentados com orgulho erótico e perdulário estardalhaço.

Engana-se quem pensa que a madre superiora do malufismo tenha sido um estandarte da cafonice estridente e do reacionarismo extremado. Era uma libertária exaltada, diz o filme, além de alma afável e altruísta, ora vejam.

“Hebe” traz assim para o cinema o ar pestilento do presente: o revisionismo histórico centrado numa pessoa, que na tela torna-se o oposto do que era na realidade. Como é duvidoso que outro filme venha a se interessar pela “Estrela do Brasil”, é a versão que ficará. A plateia, de minguados e alquebrados fãs, não reclamou.

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