Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mario Sergio Conti

Dois relatos sobre a Alemanha de meados dos anos 1930, rumo à catástrofe

Livros curtinhos falam de um país e de um período entre os mais estudados do século passado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São dois livros curtinhos. Falam de um país e de um período entre os mais estudados do século passado, a Alemanha de meados dos anos 1930. 

Mesmo assim, ambos são surpreendentes. Dão o que pensar sobre o presente.

São bem diferentes um do outro. “Hitler e seus Comediantes” (ed. Cruzeiro do Sul, 165 págs.) foi feito no calor da hora por José Jobim, correspondente da imprensa brasileira na Europa. Ele esteve várias vezes na Alemanha, entrevistou muita gente, assistiu a discursos de Hitler.

Ilustração de cena em que um homem está falando para uma mulher "Ele fala da boca pra fora!" e, no fundo, há um homem com uma braçadeira nazista falando para um público que faz o gesto com os braços levantados em referência a Hitler.
Bruna Barros/Folhapress

Modesto, avisa logo na primeira linha: “Não pensem que encontrarão neste livro uma reportagem completa sobre a Alemanha hitlerista. Há neste aspecto muitas falhas, que sou o primeiro a reconhecer”.

Já “A Ordem do Dia” (Tusquets Editores, 141 págs.) é obra de gabinete de Éric Vuillard, escritor e cineasta francês. Não tem bibliografia, mas é evidente que se apoia numa pesquisa extensa. Disseca fatos longínquos.

Lançado em 1934, o livro de Jobim não teve reedição. O repórter se tornou diplomata, foi embaixador na Argélia e no Vaticano. O de Vuillard, de 2017, vendeu 300 mil exemplares e levou o prêmio máximo das letras francesas, o Goncourt. Ganhou traduções e aplausos em 30 países.

O brasileiro é febril; o francês, analítico. Mas ambos concordam que se conhecia bem a natureza genocida do nazismo, ainda que os campos de concentração estivessem no futuro. E dizem que dava para deter os passos para o morticínio. O interesse de uns e a omissão de outros fez com que prosperasse.

Jobim descreve policiais estúpidos, um menino de dez anos fanático pelo nazismo, um boliviano hostilizado por ser moreno, o espancamento de um rabino. Conversa com antissemitas gritões e comunistas na clandestinidade.

Um colega espanhol lhe fala num comício que os nazistas odeiam repórteres. “Tem razão”, concorda ele, “colocaram-nos atrás de uma grade de arame, sem onde sentar.” Hitler boceja e ele percebe que tinha um dente de ouro. Sabia que o Führer era vegetariano e Goering, viciado em morfina, fora internado.

Tem também o que dizer sobre política. Diz que o incêndio do Reichstag foi fabricado. Registra o papel do cinema nazi na construção da imagem do Führer. Aponta a responsabilidade dos social-democratas no triunfo dos assassinos.

Jobim fez reportagens para o dia seguinte. “Infelizmente”, lamenta, “nenhum jornal brasileiro poderia, sem sérias consequências, estampá-las”. Porque “Goebbels está distribuindo dinheiro a determinados jornais e agências brasileiros”. Por sua conta e risco, as reuniu num livro.

Enquanto “Comediantes” mostra as bestas à luz do dia, “A Ordem” revela a reunião secreta de empresários que, em fevereiro de 1933, selou o pacto da grande economia alemã a Hitler. Os patrões são 24, donos da Bayer, da Basf, da Agfa, da Siemens, da Allianz, da Telefunken, da Krupp.

Hitler lhes garantiu que fecharia os sindicatos e acabaria com os comunistas. Goering disse para financiarem a campanha eleitoral dos nazistas, dali a pouco. Se ganhassem, prometeu, não haveria eleições por dez anos. Os 24 lagartos doaram milhões de marcos às ratazanas.

“Podia ser um momento único na história patronal”, escreve Vuillard, “mas não passa de um episódio comum na vida dos negócios, uma banal angariação de fundos”.

Como “as empresas não morrem como os homens, são corpos místicos que não perecem jamais”, diz, todas as firmas que cacifaram o nazismo continuam vivas e vivaldinas. Financiam campanhas, partidos, lobbies.

Jobim fez livros nos quais atacou a ditadura de Salazar e a de Stálin. Fora embaixador no Paraguai e queria escrever mais um, sobre corrupção na construção de Itaipu. Na ocasião, foi convidado para a posse de Figueiredo. Comentou ali que falaria do superfaturamento da hidrelétrica.

Era março de 1979. Dias depois, saiu com seu chapéu habitual para visitar um amigo e sumiu. Pendurado pelo pescoço numa árvore e com marcas de tortura, seu cadáver foi achado num lugar perto de onde fica hoje o condomínio Vivendas da Barra. Sua família teve certeza que foi assassinado devido ao que escreveria sobre Stroessner e a ditadura. A polícia não apurou nada, mas sua viúva não desistiu.

Só quatro décadas depois, em 2018, a certidão de óbito de José Jobim foi alterada. Diz agora que ele teve “morte violenta causada pelo Estado brasileiro”.

Bolsonaro almoçou com os lagartos da Fiesp na segunda-feira passada. Terão falado de financiamento de campanhas? O presidente defendeu de novo que não houve ditadura?

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.